Obs: Leiam as demais críticas dos filmes da franquia Rocky, aqui.
Novamente obtendo enorme sucesso de bilheteria com Rocky III, era claro que mais uma continuação da história do Garanhão Italiano não tardaria. E, de fato, Sylvester Stallone, novamente nas cadeiras de roteirista e diretor, volta para trazer a Guerra Fria para os ringues no mesmo ano em que ele a levou para as selvas do Vietnã em Rambo II, dirigido por George P. Cosmatos.
Fugindo do drama pesado – apesar da violenta, porém previsível morte de Apollo Creed (Carl Weathers) pelas mãos enluvadas do gigante soviético Ivan Drago (Dolph Lundgren) – Stallone mergulha em uma estrutura de videoclipe, enfatizando mais do que nunca a música aqui, mas estranhamente deixando de lado a célebre Gonna Fly Now que é apenas ouvida (sem a letra) no desfecho da luta final.
Assim, o que vemos em tela é pura diversão ufanista de tom satírico que Stallone sabe manusear e aproveitar muito bem. Sim, há toda a “propaganda” americana contra o Império do Mal soviético, mas é impossível ficar inerte diante das montagens que vemos em Rocky IV, elementos consagrados na franquia, mas que, na terceira continuação, tornam-se muletas narrativas usadas pelo diretor-roteirista-ator não uma ou duas vezes, mas sim quatro, inclusive uma montagem-flashback melancólica regada de sequências de todos os capítulos da saga com Rocky ao volante de sua Lamborghini Jalpa preta. Mais tarde, as duas montagens de treinamento em que vemos, paralelamente, Rocky treinar como um homem da caverna em um canto gélido da ex-pátria comunista contrastando com Drago treinando com ajuda de muita tecnologia e muito anabolizante é uma das mais excitantes e divertidas de toda a franquia, desta feita ao som de Heart’s On Fire e, depois, No Easy Way Out, com um trabalho de trilha de base por Vince DiCola.
É interessante, porém, ver que Stallone não se entrega completamente à interpretação “preto e branco” do conflito político entre as duas nações mais poderosas na época. A sequência que abre a luta de Apollo contra Drago é o maior exemplo disso, pois é tão exagerada – e conta ainda com um show de James Brown cantando Living in America – que ela serve para mostrar o ridículo da coisa e o quanto o próprio filme é auto-consciente disso. Lógico que a balança pesa para o lado americano ao longo da projeção, mas isso era mais do que esperado. O diferente é notar o quanto a visão de Stallone é lúcida, mesmo fazendo um filme que praticamente reúne estereótipos ao redor de muita música e montagens variadas. É, como salientei mais acima, um grande videoclipe de 91 minutos que perverte completamente o princípio estabelecido em Rocky: Um Lutador e catapulta o protagonista à categoria de super-herói.
Nada de errado com isso, na verdade. Afinal de contas, o Rocky do filme original deixou de ser aquele Rocky já em sua primeira continuação, perdendo qualquer vestígio daquele homem que, “vindo de baixo”, luta contra todas as probabilidades e vence os desafios. Agora, qualquer vestígio de suspense ou de tentativa de mascarar Rocky como alguém sem chances, basicamente um coitadinho, desaparece completamente e abre lugar para uma luta cujo resultado é telegrafado desde o início, especialmente considerando que, em plena Guerra Fria, um filme tipo blockbuster jamais, em momento algum, entregaria a vitória para o lado soviético. Some-se a isso o aspecto de vingança que a luta tem e a probabilidade de Rocky perder, então, passa a ser mesma que o sistema comunista tinha de dar certo.
Se o espectador tiver isso em mente, a diversão é garantida. Rocky IV é um filme de ação eficiente ao ser um coletânea de clichês (muitos deles criados pela própria franquia) embalados em música pop e uma direção de Stallone que explora bem todos esses aspectos. Reparem, por exemplo, como a câmera é sempre posicionada acima de Rocky na luta final, enfatizando o tamanho e o poder de Ivan Drago, somente para ela, na medida da progressão da luta, ir lentamente baixando, até vermos os golpes do Garanhão Italiano – que a essa altura deveria ser apelidado de Garanhão Americano – de baixo para cima, em uma troca de perspectiva interessante, ainda que maniqueísta.
No campo das atuações, bem…, não há muito o que falar. A divertida interação entre Weathers e Stallone que marcou o bromance de Rocky III tem pouco tempo para ser desenvolvida nesta continuação e Rocky é logo isolado para treinar, tendo Lundgren como seu “parceiro” distante com apenas três linhas de roteiro por todo o filme. Assim, não há verdadeiramente o que atuar no filme, a não ser convincentemente mostrar os esforços em se levantar carroças e toras, fazer supino, correr com neve na altura das coxas ou em esteiras atômicas e assim por diante. É cara feia atrás de cara feia para um show de pancadaria ao final com cada soco equivalendo a um bate-estaca de obra do metrô. Portanto, nada que mereça especial constatação além do usual: “é eficiente para a proposta canhestra do filme”.
O que, no entanto, incomoda no roteiro de Stallone é o epílogo em que, depois de sua vitória (reparem a liberdade poética, pois é a luta em que ele mais apanhou e menos se feriu), Rocky parte para um discurso sobre a paz mundial que, apesar de curto, é indutor de surtos de vergonha alheia do começo ao fim. Deslocado, forçado e bobo, o momento parece um inexplicável descambamento para o amadorismo que, se fosse um pouco mais longo, teria o efeito de anular tudo de positivo que Stallone fizera nos 85 minutos anteriores. Mas não é o caso.
Rocky IV é diversão oitentista pura para quem não espera mais do que isso a esta altura da franquia Rocky. Funciona dentro de sua proposta e catapulta o Garanhão Italiano à categoria de arma secreta americana na Guerra Fria.
Rocky IV (Idem, EUA – 1985)
Direção: Sylvester Stallone
Roteiro: Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Carl Weathers, Talia Shire, Burt Young, Brigitte Nielsen, Tony Burton, Michael Pataki, Dolph Lundgren, Stu Nahan, James Brown, Rocky Krakoff, Sylvia Meals
Duração: 91 min.