Home FilmesCríticas Crítica | Rocketman (2019)

Crítica | Rocketman (2019)

por Gabriel Carvalho
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“And I think it’s gonna be a long, long time
Till touchdown brings me ‘round again to find
I’m not the man they think I am at home
Ah, no, no, no
I’m a rocket man
Rocket man
Burnin’ out his fuse
Up here, alone”

Em Rocketman, Elton John quer amor, um sentimento aparentemente impossível para o cantor, que consegue sentir apenas velhas cicatrizes endurecendo ao redor do seu coração. É esse relacionamento entre o passado e o presente, que construiu aos poucos uma pessoa cheia de buracos, que Dexter Fletcher compreende para o seu longa-metragem. A primeira cena do filme já principia um encontro entre épocas. É o encontro de um passado, quando Elton John (Taron Egerton) era o menino tímido Reggie Dwight, com um presente, com o músico já vestindo as suas roupas pomposas e estonteantes. Mas tal presente é permeado por amarguras, enquanto o personagem precisa espantar esses demônios interiores. Por isso que o traje que surge com Elton, nesse começo, é uma fantasia mais diabólica, com chifres pontudos e asas. A roupa será desfeita com o tempo. Muito mais do que a obra sobre a ascensão, derrocada e recuperação da carreira de um astro, Rocketman visita intimamente um personagem específico e os tantos males de sua vida.

Em imediata comparação, Rocketman soa muito mais pessoal e sincero para com a personalidade retratada, Elton John, do que Bohemian Rhapsody, a polêmica cinebiografia inspirada em Freddie Mercury. Curiosamente, Dexter Fletcher também trabalhou nesse projeto em questão, mas sem ganhar créditos pela assistência na direção. Enquanto este outro caso agradava muito mais aos fãs do que contava uma  história realmente boa, Rocketman ousa ao ser mais um tributo para Elton, porém, sem querer remediar nenhum dos seus excessos, do que para os amantes do músico. Por exemplo, tão vívida e espirituosa é a obra que as músicas tornam-se parte essencial da narrativa, característica que é muito mais criativa e vigorosa do que a apresentação de meras performances musicais. Já neste longa-metragem, Dexter Fletcher nos convida a adentrar números com ares espetaculares, que aproveitam muito bem toda a excentricidade do seu protagonista. Há cenas conduzidas até com teores fantásticos, uma aura muito mística – como em “Crocodile Rock”.

Rocketman é uma cinebiografia que pode ser caracterizada como mágica, porque é verdadeira ao capturar em termos de linguagem o espírito do seu objeto de maior interesse. Existe uma conversa espontânea entre o que a obra quer transmitir e como ela executa esse diálogo, priorizando o estudo de personagem e o arco de auto-aceitação de Elton John. Canções conhecidíssimas são omitidas, por exemplo, exemplificando uma obra que se preocupa muito mais em traçar o seu enredo com esmero do que agradar fãs de uma maneira vazia. E por sinal, por conta de uma pessoa que não viveu uma vida com classificação indicativa para maiores de treze anos, seria injusto retratar o personagem assim, em paráfrase ao que disse o próprio músico numa entrevista. Rocketman não ignora os excessos do personagem. Enquanto Bohemian Rhapsody não queria tratar das overdoses hedonistas de Freddie, Fletcher assume os problemas vividos por Elton de um modo orgânico à estrutura da obra. “Bennie and the Jets” torna-se uma cena que emula uma orgia.

Entretanto, a maior sinceridade no projeto encontra-se na escalação de Taron Egerton, imprimindo um personagem abarrotado de nuances, ao invés do ator simplesmente se ater ao mimetismo de Rami Malek, que apenas pontualmente conseguia mostrar grandes interpretações. Elton John carrega muita bagagem, a qual é contornada na cena de abertura por expressões poderosas e revisitada paulatinamente, em um grande flashback cronológico. O artista, porém, precisa ser superior ao texto que interpreta. O roteiro de Lee Hall apresenta alguns trechos mais artificiais que não agregam a uma movimentação na narrativa e uma movimentação na psiquê de Elton, o seu encontro à auto-destruição. A sua amizade com Bernie Taupin (Jamie Bell) é permeada por esses vai-e-vens problemáticos, compostos por conversas que não complementam ou transformam os arcos em jogo, e sim redundam-os. Em contrapartida, os atores exalam química nas suas primeiras cenas juntos, enfim encontrando um auge dessa irmandade com a belíssima cena de ˜Your Song˜.

É que o roteiro, impedindo Rocketman de atingir toda a sua grandiosidade, não consegue delinear com maestria as reviravoltas dessa jornada de Elton. Há uma progressão narrativa truncada no segundo e terceiro ato da obra. Quando Elton estava para baixo, era por ser o palhaço de John Reid (Richard Madden), o grande vilão do longa – e que apareceu em Bohemian, vivido por Aidan Gillen. Mas aqui a versão de Madden do mesmo personagem é mais vilanesca, mais maniqueísta. Mesmo que mais impactante e significativa, é mais repetitiva. Demora muito, muito tempo até o pianista perceber que não é a mesma pessoa que acham que ele é em casa. Por sorte, o respaldo dramático convence, apesar de pontualmente sentimentalista. Dexter Fletcher, no caso, abraça Elton John com amor. Daqui em diante, o músico poderá contar para todo mundo que essa é a sua cinebiografia e uma das mais interessantes. Sua vela irá se apagar muito antes de sua lenda, que continuará em pé, sentindo-se como uma criancinha pequena, que conquistara o seu próprio amor.

Rocketman – EUA, 2019
Direção: Dexter Fletcher
Roteiro: Lee Hall
Elenco: Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard, Gemma Jones, Steven Mackintosh, Tom Bennett, Matthew Illesley, Kit Connor, Charlie Rowe, Stephen Graham, Tate Donovan, Harriet Walter
Duração: 121 min.

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