Antes de assistir ao filme, tive um certo receio com Robô Selvagem, da Dreamworks. Sei que é uma péssima ideia criar expectativas baseado em material promocional, principalmente para quem escreve críticas, mas quando assisti o primeiro trailer percebi que de primeira o filme se vendeu como um drama mais introspectivo, enquanto no segundo já tínhamos animais falantes e uma música genérica. É claro que são apenas ferramentas de marketing, mas essa divulgação deixou aquela pulga atrás da minha orelha e uma voz dizia que eu estava prestes a assistir um robô sem personalidade interagindo com algum animal dublado pela Awkwafina improvisando piadas sem graça. Felizmente, eu nunca estive tão errado na minha vida.
Adaptação da série de livros de Peter Brown, Robô Selvagem acompanha a jornada de Roz (Lupita Nyong’o), uma robô inteligente criada para resolver qualquer tarefa que lhe for dada, mas acaba naufragada em uma ilha habitada apenas por animais selvagens. Para sobreviver ao ambiente hostil enquanto espera ser resgatada pela sua corporação, Roz precisa se adaptar aos animais da ilha, fazendo amizade com uma raposa esperta chamada Fink (Pedro Pascal) e ajudando um pequeno ganso órfão que ainda não sabe nadar ou voar.
Robô Selvagem usa essa premissa simples e consegue ser uma das animações mais criativas do ano, até mesmo quando se utiliza de ideias batidas e consideradas clichês, as executando da melhor forma possível, sem qualquer cinismo, criando humor em cima de uma confiança absoluta nas suas personagens e a interação com o espaço, representado sempre como hostil, mas visualmente impressionante, o que foi possível por conta do excelente trabalho da equipe de animação da Dreamworks nos últimos anos e a direção de Chris Sanders. Um dos responsáveis por Lilo & Stitch e Como Treinar o seu Dragão, Sanders aproveita a textura mais realista da tecnologia 3d para enfatizar a ilha em volta de Roz, enquanto usa a câmera para construir alguns enquadramentos inteligentes que evidenciam o contraste entre a beleza e o perigo da natureza, com muita atenção ao uso de sombras e movimentação de personagens.
O humor do filme é, na sua maior parte, aproveitado em cima dessa dinâmica entre fauna e flora, explorando a imponência da força da natureza e a importância da adaptação em um lugar onde um animal pode estar dormindo e é devorado em questão de segundos, o que chega a acontecer e o filme trata o absurdo (ou horror) do momento com um alívio cômico eficaz por conta do ótimo ritmo, com várias sequências de ação, mas também constrói seu drama tão bem que as cenas mais introspectivas conseguem emocionar com facilidade. Isso mostra como meu preconceito inicial com os animais dublados foi ridículo (claro que ele está baseado nessa tendência atual de vender os filmes em cima de um elenco famoso dublando a obra, então não é algo que surgiu do nada), ainda mais considerando a caracterização que as vozes deram para suas personagens, que ficaram tão boas a ponto de eu esquecer quem eram os famosos dublando (queria conseguir fazer isso com o Chris Pratt). Na maior parte do tempo escutamos mais Lupita Nyong, Pedro Pascal e Kit Connor, que viram um trio improvável, porém divertido, no clássico estilo de narrativa “found family”.
Há um melodrama muito bem construído através dos vários dilemas que o longa está constantemente nos apresentando, e mesmo que isoladamente alguns elementos sejam batidos, eles estão em completa harmonia quando entram em choque com personagens tão bem caracterizadas e uma direção confiante que mostra como premissas são irrelevantes se o desenvolvimento for feito com coração; isso é um tremendo acerto considerando a importância desse contraste entre natureza e máquina que já foi feito várias vezes, mas raramente é tão impressionante quando aqui.
Mesmo tendo um histórico de produções um pouco inconsistente, lançando algumas bombas como Kung Fu Panda 4 e seja lá quantos filmes existem na franquia Boss Baby, esse também é o estúdio que nessa década entregou os ótimos Gato de Botas 2: O Último Desejo e Os Caras Malvados; então vale a pena sofrer alguns tropeços se vez ou outra tivermos algo tão bom quanto Robô Selvagem.
Robô Selvagem (The Wild Robot) — EUA, 2024
Direção: Chris Sanders
Roteiro: Chris Sanders, Peter Brown
Elenco (vozes): Lupita Nyong’o, Pedro Pascal, Kit Connor, Bill Nighy, Stephanie Hsu, Matt Berry, Ving Rhames, Mark Hamill, Catherine O’Hara, Boone Storm, Alexandra Novelle, Raphael Alejandro, Paul-Mikél Williams, Eddie Park
Duração: 102 min.