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Crítica | Riefenstahl: Cinema e Poder

Nada de novo no front.

por Ritter Fan
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A base para a existência do documentário Riefenstahl: Cinema e Poder foi o acesso inédito que a jornalista e anfitriã de talk show alemã Sandra Maischberger teve a 700 caixas de material variado – cartas, filmes, gravações em áudio e documentos em geral – de Leni Riefenstahl, a cineasta favorita de Adolf Hitler, que ela levou seis anos para estudar e depurar. Com première mundial no Festival de Veneza de 2024, cuja edição de 1938, ironicamente, deu o prêmio de Melhor Filme à Olympia, a obra resultante dirigida por Andres Veiel é uma abordagem que se esforça em desmistificar a atriz transformada em diretora que passou as várias décadas após o final da Segunda Guerra Mundial – ela só viria a falecer em 2003, aos 101 anos de idade – alegando completa ignorância de tudo ao seu redor e que só fez os filmes propagandísticos encomendados por seu admirador e amigo genocida por razões puramente artísticas.

Considerando o potencial que tanto material inédito representava, o que senti quando os créditos começaram a subir em tela foi uma enorme decepção e completa perplexidade pelo que havia acabado de assistir. Mas, para evitar qualquer dúvida, pois, hoje em dia, as reações a qualquer comentário costumam ser extremadas, deixe-me afastar qualquer possibilidade de dúvida: o documentário de Veiel, produzido por Maischberger, tem inegável valor especialmente nos dias atuais em que tantos negacionistas vêm festejar monstros da História do Mundo, pois ele no mínimo coloca uma simpatizante do Nazismo em evidência, usando suas próprias palavras contra ela mesma. Digo até mais: a produção é estilosa, dando tempo para o espectador respirar e constroi uma narrativa sem muitas interferências de narração explicativa, o que conta positivamente para uma experiência válida.

No entanto, Riefenstahl: Cinema e Poder não traz absolutamente nada de novo e, pior, usa a documentação nova de maneira esparsa e ineficiente, apoiando-se muito mais em sequências de outras obras e em programas de entrevistas que claramente não estavam nas tais 700 caixas, até porque todos elas são de propriedade de produtoras e emissoras de TV, com algumas delas facilmente acessíveis por quem tiver interesse, como por exemplo o documentário Die Macht der Bilder: Leni Riefenstahl (em inglês, The Wonderful Horrible Life of Leni Riefenstahl, e sem título em português), de 1993, por Ray Müller. A sensação que tenho é que o material pesquisado não foi o tesouro que disseram que foi, mas, como o dinheiro já havia sido investido, o documentário precisava sair de toda forma, resultando em uma obra que repete o que já era conhecido por qualquer um que conhecesse a história e os filmes de Riefenstahl, como imagino que seja quase a totalidade das pessoas que realmente se interessam pela obra de Veiel.

Até mesmo a resposta à pergunta “era Riefenstahl uma simpatizante nazista que sabia muito bem o que estava acontecendo?” (sim ela era e sim, ela sabia!) não ganha uma resposta incisiva ao longo dos 115 minutos de duração, com a abordagem não linear que pula demais no tempo, indo e voltando entre diversos períodos e fazendo inferências sem nenhum valor material à questão central, como é o fato de ela ter se envolvido romanticamente com um homem 40 anos mais novo. Ou Veiel tinha material demais e não soube utilizá-lo, ou tinha material de menos e teve que preencher os espaços em branco com desvios narrativos que esbarram na “picuinha” e, com isso, tendem a esvaziar o comentário crítico.

Vejamos, por exemplo, a questão de Riefenstahl ter visto ou não, com os próprios olhos, o extermínio de judeus. É feita a inferência que sim, ela efetivamente esteve presente em um dos campos de extermínio, inferência essa que vem do fato de ela ter arregimentados crianças romani que, depois, foram assassinadas em Auschwitz e de uma instrução que ela teria dado para retirar judeus que estavam cavando uma vala para não “atrapalhar” uma tomada que teria resultado na execução deles. São acusações terríveis, de gelar o sangue nas veias, mas que o documentário não explora com os detalhes que simplesmente tinha que explorar, preferindo usar comentários vagos e rápidos demais aqui e ali para não chegar a lugar nenhum. É como ver o óbvio, mas não conseguir explicar o que se está vendo. Nem mesmo os diversos encontros e jantares entre Riefenstahl e Hitler que muitos jornalistas ao longo das décadas apuraram e confrontaram a cineasta que, ato contínuo, os negou veementemente, Veiel conseguiu trabalhar de maneira contundente. Não havia nada no material encontrado para consubstanciar isso para além das provas bastante extensas que já existiam antes do acesso às 700 caixas? Nenhuma página de diário ou anotação por parte de algum assistente?

Com todos esses problemas, Riefenstahl: Cinema e Poder faz apenas o básico, que é levantar a questão para uma audiência moderna, impedindo que Riefenstahl e sua glorificação audiovisual do Nazismo – tecnicamente espetacular, mas isso não vem ao caso aqui – descanse em paz, por assim dizer. Esse é o valor do documentário, como disse, mas quem quiser algo que seja oriundo de novas pesquisas desencavadas do tão propalado material inédito, não encontrará nada de realmente especial ou diferente do que já foi feito e discutido anteriormente.

Riefenstahl: Cinema e Poder (Riefenstahl – Alemanha, 2024)
Direção: Andres Veiel
Roteiro: Andres Veiel
Com: Ulrich Noethen, Leni Riefenstahl, Horst Kettner, Eugen Karl Jacob
Duração: 115 min.

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