Talvez Adam McKay não seja um grande cineasta, mas a cada filme que se descobre dele é possível chegar a um consenso de que, no mínimo, se trata de um bom cronista da estupidez coletiva, o que ao mesmo tempo significa dizer que ele é um bom observador da sociedade norte-americana. Atualmente, sua atual estreia na Netflix Não Olhe Para Cima ganha um alcance de proporções megalomaníacas em suas discussões, principalmente por ser uma obra que, apesar de mirar nos Estados Unidos, acaba alcançando uma universalidade em seus temas. Contudo, há 15 anos, em 2006, McKay realizou uma obra “menor”, Ricky Bobby – A Toda Velocidade, que, por sua vez, é mais bem especificada em um certo tipo cultural e social: o redneck norte-americano, figura bruta e masculina, conservadora e de um ambiente rural. Se hoje McKay atesta o fracasso do negacionismo, o redneckismo em Ricky Bobby é acima de tudo uma herança geracional ultrapassada.
Os Estados Unidos de Ricky Bobby é o do abandono parental, da educação familiar grosseira e ultrapassada, da alimentação por fast food, da propaganda excessiva, dos carros rápidos e dos desejos sexuais desenfreados. Basicamente, essa é a espécie de diagnóstico da América proposta por McKay em uma narrativa que gira em torno de como Ricky Bobby (Will Ferrell) foi influenciado por seu pai a ser o fracasso que é hoje, assim como ele segue o exato mesmo caminho com seus filhos.
Se o filme é bem sucedido em deixar claro que a culpa é menos uma questão individual e mais uma questão cultural que passa como herança, por outro lado as investidas dramáticas na dinâmica entre pai e filho nem sempre conseguem ter o seu efeito dramático esperado, principalmente porque estão perdidas no meio de várias esquetes de comédia. Tampouco seria possível dizer que toda a ambientação dentro do mundo de NASCAR e as sequências de corrida são igualmente o grande atrativo do filme. Na verdade, o que verdadeiramente sustenta Ricky Bobby – A Toda Velocidade é a união do talento de Adam McKay e Will Ferrell (roteirista e ator aqui) na construção das muitas esquetes individuais que vão funcionando como esse humor absurdo e exagerado sobre os costumes sociais ultrapassados de um país, como todas as hilárias sequências de sacanagem em público, dos filhos desbocados sem respeitar os adultos mais velhos ou dos testes de fogo que o pai do protagonista faz com ele.
Um dos ótimos exemplos da resolução do humor é que, para um filme sobre a estupidez coletiva da América, não tem ideia melhor do que a entrada do francês intelectual e desconstruído vivido por Sacha Baron Cohen para servir como contraponto aos americanos, cujas atitudes vão deixando cada vez mais óbvios os atrasos do outro lado em seus costumes. O modo como o personagem expõe a rejeição do americano a cultura ao botar Jazz na jukebox, assim como revela a homofobia coletiva diante de sua homossexualidade ou como o próprio nacionalismo vira xenofobia em toda a discussão sobre crepe são um bom jeito que o filme encontra fazer uma comédia política.
Aliás, não duvido que em um futuro próximo apareça gente revisitando esse filme, que nem recentemente fizeram com O Diabo Veste Prada e o acusaram de gordofobia. Só que desta vez, falariam que Ricky Bobby envelheceu mal por conta de uma suposta homofobia. Desde já, faço uma defesa: existe uma diferença crucial entre uma obra ser preconceituosa e os seus personagens dentro de sua narrativa serem, de modo que o que determinará o posicionamento do filme é a maneira como ele lida com esses personagens. Na verdade, em Ricky Bobby, o olhar crítico é claro. A narrativa começa mostrando uma América homofóbica e depois propõe em seu clímax um momento no qual o protagonista supera seu preconceito e masculinidade frágil ao beijar um homem. Essa é a grande “jornada de herói” vivida por Ricky Bobby, muito mais do que vencer a corrida de NASCAR. No fim, propõe-se uma conciliação familiar, não para abraçar o redneckismo, mas para dar uma nova chance a estes indivíduos, antes estavam enraizados em uma cultura, que agora finalmente parecem autoquestionar seus valores e abraçam a possibilidade de mudança.
Ricky Bobby – A Toda Velocidade (Talladega Nights: The Ballad of Ricky Bobby) — EUA, 2006
Direção: Adam McKay
Roteiro: Adam McKay, Will Ferrell
Elenco: Will Ferrell, John C. Reilly, Sacha Baron Cohen, Gary Cole, Michael Clarke Duncan, Leslie Bibb, Jane Lynch, Amy Adams, Andy Richter
Duração: 108 mins.