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Crítica | Retratos de Uma Obsessão

por Leonardo Campos
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Você já se perguntou qual a importância da fotografia em sua vida? Mesmo que seja carregada de elementos que possam tirar a sua condição de veracidade diante dos fatos que desejam ser transformados em memória eterna, as fotografias são recursos de um passado recente ou remoto, responsável pela preservação de momentos da nossa trajetória em pequenos fragmentos de imagem. Ela também possui a função de testemunha desse passado, pois ao contemplarmos uma fotografia com amigos, familiares ou colegas de trabalho, por exemplo, temos uma noção sobre como estávamos naquele estágio de nossas vidas. Quando observada pelo “outro”, no entanto, a noção já não possui o mesmo tom, pois a imagem passa a ser interpretação. Isso é o que acontecerá ao longo de Retratos de Uma Obsessão, suspense lançado em 2002, uma história apavorante sobre a invasão de nossa privacidade por um inimigo que sequer imaginamos ser alguém para desconfiarmos.

Tenso e com personagens estruturados com firmeza, o filme funciona como entretenimento, pois é um suspense eletrizante sobre o potencial da imagem nos processos de representação do nosso cotidiano, além de promover reflexões. Prévio ao advento da ampla digitalização fotográfica, temos luz, composição química e papel na cristalização de um olhar, estabelecido para ser imortalizado. Sob a direção de Mark Romanek, cineasta guiado pelo próprio roteiro, acompanhamos Seymour Parrish (Robbin Williams), também chamado de Sy por alguns, um homem pacato, figura excêntrica mergulhada numa solidão e amargura entristecedora apenas pelo olhar. Logo na abertura, contemplamos o seu depoimento numa investigação. Será através da clássica narrativa em flashback que adentraremos na história da família Yorkin, alvo da obsessão do homem comum que leva o seu desejo pela imagem para o patamar da psicopatia. No filme, a fotografia passa de um documento que representa o “congelamento” de um momento histórico de nossa memória para um material de destruição de reputações em potencial.

Ao longo dos primeiros instantes de retomada dos fatos para compreendermos a antecipação do desfecho, somos apresentados ao pequeno Jakob (Dylan Smith), filho do casal Nina (Connie Nielsen) e Will (Michael Vartan). Essa família feliz sequer imagina que Sy, o homem do supermercado que atende no guichê de revelações fotográficas, conhece os principais acontecimentos registrados na vida dessas pessoas. É como se o misterioso Sy soubesse tudo, e eles, ao contrário, não soubessem de nada sobre o homem que possui um mural gigantesco em seu apartamento, com fotos desta família que em sua imaginação, foi adotada como elo para suportar a solidão de sua vida em completo abandono social. Sy revela fotos há anos no guichê e conhece a vida de muitas pessoas pelas imagens, mas é no material da família Yorkin que ele se debruçara para a projeção de seus desejos diante de uma vida chata e insipida.

Nos desdobramentos de Retratos de Uma Obsessão, podemos refletir sobre como as nossas fotografias são contadoras de histórias de fragmentos da nossa vida, material que há tempos é tema da obsessão de outros tantos personagens cinematográficos, movimento ainda mais impulsionando com a banalização da imagem na era digital, o momento que vivemos no contemporâneo, sem o “filme” de 12, 24 ou 36 poses com possibilidade de “queimar” e ainda por cima nos ofertar número limitado de imagens. Agora podemos fazer milhares de versões de uma mesma imagem para arquivar ou apenas selecionar para descartar. Ao longo dos 96 minutos do filme dirigido habilmente por Romanek, acompanhamos uma jornada psicológica sobre voyeurismo e jogo de aparências.

Ao passo que Sy observa a família e seu amadurecimento por meio das fotografias como único recurso informativo, ele começa a perceber que aquelas pessoas não são exatamente quem ele imaginava. A pessoa que aparece na foto é a mesma que se porta diante de outro evento social? A mesma pessoa da imagem de uma família feliz seria capaz de trair a confiança do parceiro e ter um caso extraconjugal, registrado por burrice em fotografias que são reveladas por alguém que você não faz ideia, deseja ser parte da sua vida, por bem ou por mal? Depois de testemunhar um conjunto de imagens consideradas inapropriadas, a perversão psicológica de Sy ganha novos rumos e ele parte do que era desejo para a horripilante ação: infernizar e desconstruir essa família com a verdade impregnada nas imagens.

Para Sy, fetichista de primeira, ninguém registra em fotos algo que deseja esquecer. É a sua teoria, levada aos extremos em Retratos de Uma Obsessão. Ele questiona a dinâmica social da família Yorkin e deseja punir os responsáveis por transformar aquele grupo aparentemente feliz em algo que seja diferente do concebido por sua imaginação. Sy não é um psicopata slasher, muito longe disso, pois o seu tom persecutório está na sutileza. Ele vai aos poucos dominando espaço até o desfecho que beira ao trágico, transformador na vida de todos os envolvidos nesta história de obsessão e horror. O horror, por sua vez, psicológico, calcado nas possibilidades destrutivas da imagem à primeira vista e de suas consequências. Desde a função de documento com inegável importância na instrumentação da memória aos dados conversados sobre algo que os personagens desejarão esquecer, a fotografia é conflito e personagem neste filme.

Para contar a sua história, o cineasta teve o apoio da direção de fotografia de Jeff Croneweth, tomada por tons escuros pana casa de Sy, reforço da atmosfera de mistério, num contraste com o clima hiper-realista do supermercado, claro e efusivo em sua iluminação, erguido com eficiência pelo design de produção de Tom Foden, competente na construção de ambientes em forte contraste também na dinâmica da família Yorkin e nos demais espaços cenográficos desta narrativa lançada num período que antecedeu a popularização das câmeras digitais que permitiam aos usuários, selecionar o que tinham vontade de revelar antes de entregar o material para serviços como o desenvolvido por Sy, um homem aparentemente inofensivo, mas que guardava dentro de si a pulsante tragédia de sua vida pessoal, passado de abusos, etc. Ele não possui imagens deste passado, mas o projetou na representação da família escolhida para amar obsessivamente, algo que não termina como o desejado, diferente da simbólica felicidade expressada nas fotos reveladas ao longo de tantos anos de sua vida solitária.

Retratos de Uma Obsessão (One Hour Photo) – Estados Unidos, 2002
Direção: Mark Romanek
Roteiro: Mark Romanek
Elenco: Andrew A. Rolfes, Carmen Mormino, Connie Nielsen, Eriq La Salle, Gary Cole, Megan Corletto Erin Daniels, Michael Vartan, Nick Searcy, Noah Forrest, Robert Clotworthy, Robin Williams
Duração: 98 min.

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