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Crítica | Resistência (2023)

O replicante dos clássicos.

por Kevin Rick
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Histórias sobre inteligência artificial são parte integral dos mitos de ficção científica da Sétima Arte. Dos terrores épicos de ação de O Exterminador e Matrix, a emoção fabular de A.I. – Inteligência Artificial, a distopia rebelde de Akira, até as reflexões sombrias de 2001: Uma Odisseia no Espaço, temos diversos exemplares desse tipo de trama sci-fi com diferentes abordagens. As lentes mudam, mas o debate em torno da evolução tecnológica continua ressoando na audiência. Afinal, a criação da inteligência artificial significa nossa extinção ou o próximo passo da humanidade? Talvez ambos, claro, numa discussão cada vez mais pertinente. Em Resistência, o cineasta/roteirista Gareth Edwards, conhecido por Godzilla (2014) e Rogue One: Uma História Star Wars, cria seu conto original e relativamente derivativo sobre esse tipo de cenário famoso da ficção científica.

Em linhas gerais, somos apresentados a um mundo distópico na década de 2060, ebulindo numa guerra entre humanos e robôs após uma explosão atômica em Los Angeles ser considerada um ato terrorista dos seres de metal. O governo americano declara uma guerra completa contra toda e qualquer inteligência artificial, com foco em eliminar o principal criador da tecnologia, o misterioso Nirmata. Apesar da premissa de um conflito global, acompanhamos a trama majoritariamente da perspectiva de Joshua (John David Washington), que tem uma conexão especial com o criador da inteligência artificial e sua nova arma, chamada Alpha-O (Madeleine Yuna Voyles).

O primeiro aspecto que chama atenção na produção é o visual. Tenho certeza que qualquer comentário lúcido relacionado ao filme irá destacar a estética da produção, justamente porque Edwards se estabelece como um cineasta criativo em termos de escala, espetáculo e imaginação pintadas em tela, num trabalho cuidadosamente pensado para encher os olhos e resgatar um sentimento de fascínio com os filmes de grande orçamento, algo que vem faltando cada vez mais nas telonas. Em uma mescla de filmagens em locação com CGI e ótimo uso do StageCraft, a produção integra o espetáculo digital em um mundo físico que ganha densidade e realismo sem nunca negar os absurdos da ficção científica, como um drone gigantesco que lança raios de luz pela paisagem ou robôs-bombas.

Existe uma lição para Hollywood aqui, de como trazer riqueza visual com “apenas” oitenta milhões de dólares, demonstrando que nem sempre precisamos de porcarias digitais com orçamentos de 200-300 milhões de dólares para deslumbrar a audiência. E não é só beleza pela beleza, com ideias sofisticadas na integração da tecnologia com cenários naturais, dando uma atmosfera à la Apocalypse Now para muitas sequências do filme inspiradas na Guerra do Vietnã e em guerrilhas, além de inspirações no cyberpunk de Blade Runner para um bloco na cidade grande e no estilo sentimental de Steven Spielberg para uma história de grande escopo com um cerne humano e inocente em toques diretos de A.I. – Inteligência Artificial e E.T. – O Extraterrestre. Se a trilha sonora de Hans Zimmer não fosse tão indiferente, o filme se apossaria ainda mais de uma grande atmosfera.

Ademais, as diversas referências são necessárias, porque Resistência é uma reciclagem de grandes clássicos, especialmente do gênero sci-fi, o que pontua algumas fragilidades narrativas em sua familiaridade um tanto convencional em escolhas do roteiro, mas que também enfatiza a veneração de Edwards em resgatar o “cinemão” dessas películas. É difícil sacudir a sensação genérica do “eu já vi isso antes“, mas é inegável que a obra tem sua própria personalidade em termos de construção de mundo (não tanto de mitologia, mas sim de nos impressionar) e nos entrega personagens facilmente relacionáveis, com destaque para a dinâmica de Joshua e Alphie. Sinto que falta um antagonista mais interessante na trama para injetar uma vilania ou algum tipo de contraste moral que enriqueceria o drama (a personagem de Allison Janney tem resquícios disso), mas de forma geral é uma história de fácil envolvimento emocional com os protagonistas.

Tematicamente, o filme apresenta um discurso anti-bélico extremamente crítico aos EUA e ao militarismo, com paralelos contemporâneos para a invasão estadunidense no Oriente Médio, além de abordar a famigerada discussão filosófica que circula as inteligências artificiais. Nada disso ganha o devido aprofundamento ao longo do filme, porém, se resignando a algumas lições morais e reflexões comuns sobre seus temas. Portanto, é um pouco frustrante a falta de desenvolvimento e evolução dos conceitos introduzidos na trama, nos entregando o velho arco de enxergar a humanidade nas máquinas, bem no estilo Homem-de-Lata, mas o roteiro sabe como criar uma dinâmica bonita em seus sentimentalismos básicos sobre família, paternidade e humanismo. Diria que Edwards nunca encontra aquela margem de nos fazer refletir com discussões provocativas ou de um grande clímax para uma jornada fantástica, mas certamente sabe extrair comoção de seus humanos sintéticos.

Mesmo com suas fragilidades narrativas e um roteiro comum, Resistência encontra força no espetáculo visual e emoção ao dar sentimento para algoritmos. No fim, é genuinamente refrescante assistir uma película de ficção científica que faz jus ao gênero enquanto imaginação estética e experiência cinematográfica, reciclando clássicos para nos presentear com um pipocão que deslumbra os olhos e sabe como ser emotivo com ternura e não pieguice. Edwards não criou um mito sci-fi que ficará marcado no panteão das obras que lhe inspiraram, mas certamente se aproveita delas para criar uma produção de qualidade que ensina muito para a Hollywood atual sobre como fazer filmes de grande orçamento.

Resistência (The Creator) | EUA, 28 de setembro de 2023
Direção: Gareth Edwards
Roteiro: Gareth Edwards, Chris Weitz
Elenco: John David Washington, Gemma Chan, Ken Watanabe, Sturgill Simpson, Allison Janney, Madeleine Yuna Voyles
Duração: 133 min.

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