Replicante marca o retorno do cineasta chinês de Hong Kong Ringo Lam à direção de um filme de Jean-Claude Van Damme e a quarta e até agora última vez em que o belga vive dois personagens idênticos em tela, tendência que começou com Duplo Impacto e continuou com O Guardião do Tempo e Risco Máximo, este, coincidência ou não, o outro longa de Lam com o ator. O bom é que cada uma das quatro vezes a temática do “duplo” é usada de maneira diferente da outra, o que evita repetições e cansaço narrativo. O ruim é que, de todos os longas de Van Damme com esse artificio, Replicante é facilmente o pior.
E afirmo isso com pesar, pois a temática por trás do uso do doppelgänger, aqui, é a mais interessante de todas, com uma discussão sobre natureza versus criação, que coloca na mesa a pergunta sobre a natureza da maldade, se ela nasce com a pessoa ou é resultado de influências externas. A ideia por trás do roteiro, portanto, é muito boa, ao estabelecer a existência de um cruel serial killer que mata mães com filhos pequenos e depois queima seu corpo (Van Damme na versão malvada de cabelos compridos, óculos escuros e jaqueta de couro) que é clonado de maneira que seu clone – ou replicante (Van Damme na versão tábula rasa de cabelo bem curto, sem óculos escuros e com moletom) – possa levar à prisão do vilão.
O problema está na transposição do conceito para as páginas do roteiro. Lawrence Riggins e Les Weldon, que têm currículos nada invejáveis nesta cadeira, aparentemente acham que despejar ideias em um papel na forma de frases com sujeito e predicado faz com que tudo magicamente funcione bem em tela, enquanto que a verdade é muito mais complexa. Em poucas palavras, o longa-metragem peca por não ter nem contexto, nem lógica interna, com a clonagem, que não é só clonagem, mas sim a criação de um humano adulto com a capacidade de destravar as memórias do original e, ainda por cima, com poderes psíquicos, sendo uma espécie de empecilho que é varrida para o canto muito rapidamente só para permitir que a história comece. É como se os roteiristas estivessem exigindo a mais completa submissão do espectador, que deverá aceitar tudo sem perguntar, sem discutir e sem exigir absolutamente nada mais do que nos é empurrado goela abaixo.
E o pior é que a única chance de Replicante funcionar minimamente é justamente fazendo isso, ou seja, baixando a cabeça para um roteiro mequetrefe que simplesmente não sabe desenvolver ideias de maneira concatenada, mas que se leva a sério mesmo assim. Ou seja, ele simplesmente nos força a jogar pela janela qualquer tentativa de se traçar uma lógica narrativa e a aceitar o conceito, que ainda conta com um policial recém-aposentado, Jake Riley (Michael Rooker), que passou anos caçando o serial killer e falhando, que é recrutado por uma agência misteriosa para servir de “mentor” do replicante em outra ideia boa – o preconceito de alguém em relação à aparência de outro – que é esquecida e trocada por sequências de uma infinidade de sequências de ação.
Pelo menos Lam larga um pouco seus maneirismos de diretor autoral (ou que acha que é autoral pelo menos) e entrega uma boa dose de pancadaria bem feita, com Van Damme, então já com 40 anos, não só fazendo bonito – para seus padrões, evidentemente – ao viver seus dois personagens, como também convencendo com seus malabarismos marciais usuais, mesmo que, como eu desconfio, ele tenha usado um dublê para os momentos mais, digamos, atléticos. No final das contas, é isso que sobra, na verdade, pois toda a concepção mais interessante por trás da premissa torna-se apenas um trampolim para a ação, sendo esquecida na medida em que o fiapo de história progride.
Apesar de todos os pesares, Replicante, como primeiro representante da fase pós-anos 90 de Jean-Claude Van Damme, que mais acentuadamente marca sua decadência no audiovisual tanto por fatores pessoais quanto pelo fim da “moda” de seu tipo de filme, não faz feio. Infelizmente, ele desperdiça sua ótima premissa, mas o lutador belga acaba funcionando bem em seu papel duplo ao lado e também em oposição a Rooker e seu simpático jeitão durão de ser.
Replicante (Replicant – EUA, 2001)
Direção: Ringo Lam
Roteiro: Lawrence Riggins, Les Weldon
Elenco: Jean-Claude Van Damme, Michael Rooker, Catherine Dent, Brandon James Olson, Pam Hyatt, Ian Robison, Allan Gray, James Hutson, Jayme Knox, Paul McGillion, Chris Kelly, Peter Flemming, Margaret Ryan, Marnie Alton, Lillian Carlson, Ingrid Tesch
Duração: 100 min.