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Crítica | Rensga Hits! – 1ª Temporada

A história de uma jovem cantora em busca de um sonho feminejo.

por Arthur Barbosa
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“(…) Hoje eu posso tá por baixo

Amanhã tô por cima

Desatola, bandida!

Seja na lama ou no asfalto

A estrada ensina

Desatola, Bandida! (…)”

Em 2022, com uma tímida divulgação, o Globoplay lançou a série Rensga Hits!, que mostra o universo do sertanejo na voz de mulheres, com destaque para o exemplar protagonismo da personagem Raíssa Medeiros (Alice Wegmann), apesar de ter um nome nada popular e de difícil pronúncia. Uma curiosidade: para quem não sabe o significado de “rensga“, trata-se de uma expressão tipicamente goiana, que sai do fundo da alma quando algo impressionante acontece diante de nossos olhos, podendo ser um espanto, uma admiração, um susto: o que vier na mente a partir de um acontecimento inesperado. Contendo uma música-chiclete, a qual não conseguimos não parar de cantarolar, a Desatola, Bandida! – a letra na qual abriu esta minha crítica -, somos transportados para cidade de Goiânia, em Goiás, a gênese do sertanejo brasileiro. Na trama, a jovem mencionada pega o seu carro – carinhosamente apelidado de Bandida – e vai em busca de seu sonho de ser uma cantora de sucesso após ela descobrir uma traição e abandonar o futuro marido Rodrigo Rodrigues (Ivan Mendes) em pleno altar, na frente de familiares e de amigos. 

O seriado em si não teve pretensão alguma em levar o telespectador a discussões profundas apesar de abordar temas pertinentes, como o abandono paterno e o machismo enraizado no universo sertanejo. Em meio a isso, o tom humorístico ao longo dos oito episódios fornece uma leveza ao longo dos diálogos, o que favorece a maratona de exibição para um só dia em frente à televisão, por exemplo. Basicamente, a história se apoia em todas as referências de séries e de filmes em que o protagonista sai de casa em busca do seu sonho na música, como no filme 2 Filhos de Francisco (2005), sobre a dupla Zezé Di Camargo & Luciano, e na série As Aventuras de José Durval (2023), no Globoplay, sobre a dupla Xitãozinho & Xororó. A trama, então, acaba inserindo todos os estereótipos e as confusões de uma história brasileira, como se fosse uma novela folhetinesca do horário da sete da noite da Rede Globo: parentes perdidos que se reencontram depois de muitos anos; irmãs rivais que não se conheciam e disputam pelo protagonismo da música; desavenças amorosas entre diversos casais e perda de memória. Confusões atrás de confusões, em um nítido apelo popular e uma torcida para que as desavenças entre os personagens sejam resolvidas.

Após a sua chegada em Goiânia, portanto, Raíssa – apesar de estar toda suja de lama com um vestido de noiva rasgado em virtude de a Bandida teratoladona chuva – arruma emprego em um bar de propriedade da personagem Carol (Maíra Azevedo), local onde as pessoas, além de beberem, é claro, cantam e acabam ajudando-a a trilhar o caminho da música. Esse início corrido, em uma espécie de “conto de fadas hollywoodiano”, não atrapalhou o enredo, mas não havia a necessidade de o roteiro ser tão corrido, afinal de contas foram oito episódios neste primeiro ano do seriado. Em meio a isso, a jovem acaba conhecendo a sua rival inimiga Gláucia (Lorena Comparato), a qual, para piorar a situação, é também a sua irmã por parte de pai. Acompanhar a rivalidade criada entre as duas – em função de a segunda ter roubado a música da primeira por meio do seu futuro namorado Isaías (Mouhamed Harfouch) – foi um deleite, isto é, foi a parte mais divertida do seriado, em um desejo incessante para ambas realizarem as pazes e formarem definitivamente uma dupla sertaneja. Por falar em revanche, há ainda a disputa entre a Rensga Hits! e a Joia Maravilha Records, comandadas respectivamente por Marlene (Fabiana Karla) e por Helena (Deborah Secco), ambas que, no passado, formaram uma dupla sertaneja de grande sucesso, comandadas coincidentemente por Guarariba (Ernani Moraes), o pai de Gláucia e de Raíssa.

Além disso, é perceptível o cuidado da construção da musicalidade, do figurino e de todo o universo sertanejo moderno para o desenvolvimento da história, em que a composição de todos os personagens seguem uma mesma sinergia, um tanto quase perfeita. Só não atingiu o ápice em virtude, por exemplo, da atuação um pouco engessada da Deborah Secco – principalmente no sotaque – e da Bianca Comparato, a qual exagera no tom de interpretar uma personagem irritante. Talvez os roteiristas quiseram de fato criar uma rival para a Raíssa extremamente chata, metida e mimada pelo pai, no entanto ela também está acima do tom da normalidade para uma interpretação artística. Ademais, outra característica negativa e limitante foi  a ausência de cenas externas, o que é lamentável, afinal de contas eles poderiam ter oferecido uma imagem deslumbrante da região central do Brasil – fora de Brasília, a capital federal -, local nada habitual para as gravações dos Estúdios Globo, localizados no histórico e famoso eixo Rio-São Paulo. Desse modo, a cidade de Goiânia acabou sendo apenas um nome na sequência de cenas, as quais limitam-se a poucos cenários internos: um bar e as mansões das agências dos cantores.

Outro aspecto importante retratado no seriado são as pautas sociais, como a representatividade da comunidade LGBTQIAPN+ na vida e na voz do cantor safadão Deivid Cafajeste (Alejandro Claveaux). Ele, na angústia de não viver a sua verdadeira essência, ou seja, um homem gay, finge ser um personagem em cima do palco para agradar os patrocinadores e, claro, o público das mulheres. Isso se justifica em função de  o universo sertanejo ser caracterizado pelos excessivos machismo e preconceito entre as pessoas. Todavia, tudo muda com a chegada do seu segurança particular Kevin (Samuel de Assis), o qual abala o seu coração, com muito amor, em uma referência genial ao filme O Guarda-Costas (1992). Nós, fãs, ficamos na torcida para que o casal – com uma química avassaladora – consiga de fato ser feliz apesar de todas as dificuldades, como o cancelamento nas redes sociais. Outra trama paralela e divertida de acompanhar foram os irmãos gêmeos Théo (Sidney Santiago) e Thamirys (Jeniffer Dias), uma dupla sertaneja abalada pelo escândalo de o irmão ter um cachê maior que o da irmã por muitos anos, associado ao fato de representarem cantores negros sertanejos, algo ainda não naturalizado na realidade do país.

Alice se mostra, portanto, uma atriz ideal para o protagonismo de Rensga Hits!, sendo solar e extremamente carismática, considerada até mesmo a “nova Marília Mendonça”, cantora que nos deixou de forma precoce em um trágico acidente aéreo ocorrido em Minas Gerais, em 2021. Aliás, Marília não só serviu de inspiração para compor a personagem principal, como, também, iria fazer uma participação especial ao longo dos episódios, mas infelizmente, isso não ocorreu a tempo. Apesar de ter o nome confuso, a série é entretenimento puro, isto é, daqueles produções para acompanhar e relaxar no sofá da sala após um dia inteiro de trabalho. Contendo inúmeras referências a vários cantores do meio sertanejo e repleta de humor e de dramas pessoais, Rensga Hits! é um verdadeiro hit do Globoplay, embora apresente alguns sotaques fortes, os quais beiram ao caricato. Esse grande sucesso da plataforma de streaming da TV Globo nunca esteve atolado, e sim emplacado no sucesso! Peguemos, então, a nossa Caranga 86 – a famosa Bandida da Raíssa – rumo à segunda temporada e só vem… Rensga!

Rensga Hits! – 1ª Temporada (Brasil, 2022)
Criação: Carolina Alckmin, Denis Nielsen
Direção: Carolina Durão, Natalia  Warth, Leandro Neri, Isabela Raja Gabaglia
Roteiro: Bia Crespo, Renata Corrêa, Nathália Cruz, Otávio Chamorro, Denis Nielsen
Elenco: Alice Wegmann, Lorena Comparato, Jeniffer Dias, Deborah Secco, FAbiana Karla, Lúcia Veríssimo, Maurício Destri, Mouhamed Harfouch, Alejandro Claveaux, Samuel de Assis, Sidney Santiago, Maíra Azevedo, Ernani Moraes, Rafa Kalimann
Duração: 08 episódios – Cada episódio tendo 30 minutos de duração, em média.

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