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Crítica | Relíquia Macabra (1941)

Nasce a estrela de Bogart.

por Kevin Rick
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Baseado no célebre livro O Falcão Maltês, escrito por Dashiell HammettRelíquia Macabra tem um legado gigantesco. Dirigido e escrito por John Huston, em sua estreia como diretor, o longa seria responsável por catapultar a prolífica carreira do cineasta, assim como a do famoso ator Humphrey Bogart (junto de Seu Último Refúgio, do mesmo ano), que após esta obra ascendeu à persona dura e cativante de seus personagens cheios de confiança e traumas, acompanhado por seu eterno chapéu fedora. Além disso, Relíquia Macabra é uma das primeiras obras do chamado Cinema Noir, fundamentando arquétipos e clichês deste subgênero de protagonistas ambíguos, iluminação sombria e damas fatais.

Aliás, eu diria que o noir é muito mais um estilo. Influenciado pela literatura hard-boiled, John Huston entende que essa história é mais atmosfera do que trama, e se diverte com as possibilidades estilísticas de criar uma experiência visual memorável. A iluminação discreta aprimora o efeito entre claro-escuro da fotografia, potencializando um drama estilizado em seus tons de cinza e escuridão que refletem a desolação pós-era da Depressão caindo na Segunda Guerra Mundial, no ano de 1941. Existe um pessimismo narrativo e uma desilusão visual que percorrem a direção de Huston, também inteligente na composição de mistério com longas tomadas e movimentações de câmera engenhosas, em especial nas poucas perseguições da obra. A propósito, o cineasta planejou todas as cenas do filme de antemão, adaptando o roteiro junto de esboços, fazendo com que cada plano do filme fosse construído ao mínimo detalhe.

Nesse sentido, a trama está em segundo nível frente ao foco no apuro técnico. Com uma premissa simples de um caso que cai no colo dos detetives Sam Spade (Bogart) e Miles Archer (Jerome Cowan), quando a femme fatale Ruth Wonderly (Mary Astor) entra no escritório da dupla, afirmando estar procurando por sua irmã desaparecida, a adaptação de Huston desenvolve um mistério superficialmente usual. Fugindo da tendência, por exemplo, sherlockiana, de uma narrativa em torno de pistas e focada no molde investigativo, Huston aposta no mistério da natureza humana e não do crime. Notem como grande parte da “investigação” de Spade se dá entre quatro paredes com muitos diálogos e confrontos pessoais, com o detetive analisando mais o caráter do elenco ganancioso do que vestígios criminosos.

No desenrolar da história, descobrimos que existe uma relíquia dourada, incrustada de joias raras e preciosas, sendo cobiçado por Wonderly, que na verdade se chama O’Shaughnessy, assim como de outras figuras perigosas que vão surgindo para atrapalhar Spade. A tal relíquia indicada na tradução do título brasileiro, e que dá nome ao livro e ao título original do filme, se chama O Falcão Maltês, funcionando como um óbvio macguffin no enredo de Huston. A verdade é que o artefato, os crimes e, de certa forma, até a trama objetiva que vai ficando mais e mais complicada, são apenas tangentes na experiência do longa. O interesse de Huston está em seus personagens, em suas falas inesquecíveis, expressões faciais, reações, sorrisos e lágrimas – e até mesmo humor áspero, com o duo de Peter Lorre e Elisha Cook Jr. divertindo bastante como dois capangas que acumulam pequenas derrotas.

Nesse sentido, Sam Spade é a peça central, com Huston e Bogart construindo um protagonista que é a personificação do ideal masculino à época: frio, sem sentimento, duro e eficaz. Quando seu parceiro morre, ele não liga. Quando uma viúva quer aconchego, ele ri sarcasticamente. Quando um amor pede ajuda, ele nega. Mas tudo em prol de uma simples moral: “o homem faz o que deve fazer”. Ele é um anti-herói petulante que é impossível de não torcer a favor, seja pelo carisma elegante de Bogart, seja pelo fato do personagem incorporar a aspiração masculina do período de forma magnética e até sarcástica com olhos atuais. Para Spade, não há espaço para um final feliz, apenas o senso de dever cumprido.

Quando os créditos sobem em Relíquia Macabra, não lembraremos do desenrolar da investigação, mas sim das atitudes dos personagens, como eles andam, falam e se relacionam. E como Bogart se conduz por essas ruas e indivíduos perigosos com uma superioridade charmosa, como se soubesse de algo que não sabemos com seu sorriso irônico. Para um filme envolto em estilo, o comportamento é tudo, com Huston não apenas oferecendo uma produção visualmente detalhista, mas que também deixa uma série de momentos memoráveis. Em meio a um tom sombrio e uma história pessimista, a Relíquia Macabra se mostra um filme puro em sua simplicidade narrativa e no seu estilo precursor. Sem dúvidas, um clássico.

Relíquia Macabra (The Maltese Falcon) | EUA, 1941
Direção: John Huston
Roteiro: John Huston (baseado no romance O Falcão Maltêsde Dashiell Hammett)
Elenco: Humphrey Bogart, Mary Astor, Gladys George, Peter Lorre, Barton MacLane, Lee Patrick, Sydney Greenstreet
Duração: 100 min.

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