- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas da temporada anterior e de todo o nosso material da franquia.
Se Reacher pode chegar à terceira temporada com enorme sucesso de público fazendo exatamente a mesma coisa pela terceira vez, então eu fico sem alternativa que não seja me repetir também. E lá vou eu: Alan Ritchson é um gigante carismático com as mesmas habilidades dramáticas de uma maçaneta bem lustrosa de porta, mas que está em uma série que simplesmente não requer nenhum dote desse tipo, não passando de uma versão sanitizada, domada e, sendo sincero, capada dos filmes de brucutu dos anos 80 que segue a estrutura básica do protagonista chegando em um lugar, atraindo confusão e desvendando um mistério gigantesco e pseudocomplicado com seus superpoderes de investigação, de saber fazer tudo, de espancar e matar todo mundo sem sequer suar e de manter o mesmo semblante sempre, independente da situação. É o divertido chinfrim, da xepa da feira, exatamente como a maioria dos filmes de ação rasinhos da citada década eram e como muitos continuam sendo hoje em dia, com a desvantagem de ser uma série, ou seja, exigindo que o espectador fique bem mais do que os 90 minutos regulamentares de um filme em frente à TV assistindo algo que muito claramente daria para ser comprimido, com folga, nesse tempo, talvez até menos.
Mas, sendo justo, o primeiro episódio da terceira temporada é “diferentão” para os padrões da série e, por isso, destaca-se dos demais primeiros capítulos ao apresentar Jack Reacher em uma cidadezinha do Maine lidando com uma tentativa de sequestro de um jovem e fazendo-o agir de maneira tão diferente do que o personagem é, que obviamente era um “truque”, revelação que, claro, vem em seguida na forma de um plano mirabolante e hilariantemente inverossímil para ele se infiltrar na mansão do pai do garoto, algo que é explicado no episódio seguinte em excruciantes detalhes que, como de costume na série, existem somente para emprestar aquele verniz de complexidade e para, ato contínuo, tratar o espectador como um bocó incapaz de compreender qualquer coisa que não lhe seja ditado bem D-E-V-A-G-A-R-I-N-H-O com direito a uma ou duas repetições para ficar bem claro e não deixar nenhum dúvida na cabecinha oca de ninguém. No entanto, depois que o primeiro episódio acaba, tudo é normalizado e os sete seguintes retornam ao padrão da série que é basicamente uma porta giratória de pancadaria, elogios ao físico descomunal do protagonista, mais deduções incríveis e explicações intermináveis, alguns flashbacks porque ninguém é de ferro e, claro, todas aquelas cenas que Nick Santora, o showrunner, acha que são tensas, mas que, na verdade, estão mais para pastelão, mesmo as mais teoricamente violentas, como quando Reacher mata um sujeito insuportável usando um espeto para papel e quebra o corpo todinho do cara para ele caber debaixo de uma escrivaninha como se fosse Uma Cilada para Roger Rabbit.
Claro que tem uma ou duas “novidades” na temporada, começando pelo uso de um MacGuffin humano, uma informante da agente federal Susan Duffy (Sonya Cassidy, que tem uma voz e um sotaque apaixonantes) que desapareceu e que ela desesperadamente tenta localizar, recrutando Reacher no processo em razão de um interesse convergente dele e também a presença de Olivier Richters como Paul “Paulie” van Hoven, um capanga que, por incrível que pareça, consegue ser ainda maior e mais parrudo do que Ritchson. Mas, lá no fundo, tudo é, como disse, a mesma coisa novamente, seja a repetição direta de linhas narrativas das temporadas anteriores (fico pensando se Lee Child também se vale disso em sua série literária), seja o uso generoso de todo tipo de clichê e tropo narrativo sem o menor cuidado ou a menor tentativa de colocar na telinha algo que não seja burocrático ou genérico. O roteiro bem que tenta fazer bom uso de Paulie, arrumando algumas “saídas pelas esquerda” que evitam que ele e Reacher saiam no tapa logo de cara, mas até isso se torna cansativo, da mesma forma que o romance platônico entre o protagonista e Duffy que todo mundo sabe que será concretizado alguma hora.
Curiosamente, a escolha de Santora em atrasar ao máximo o conflito físico entre Paulie e Reacher é sintomático de uma temporada que tem relativamente pouca ação de verdade, apenas alguns momentos aqui e ali que são mais a exceção do que a regra em uma série que se vende justamente por essa única qualidade. Com isso, os roteiros se preocupam demais com reviravoltas e dificuldades extremas para coisa banais como é passar um mero recado para Zachary Beck (Anthony Michael Hall), o milionário pai do jovem quase sequestrado e que exige uma viagem para Los Angeles e toda uma trama paralela que é feita para ocupar tempo de projeção de maneira que o tempo regulamentar dos intermináveis oito episódios seja atingido. E olha que eu acompanhei a série semanalmente, o que costuma tornar mais fácil a degustação de episódios mais parados e cheios de obviedades telegrafadas em detalhes a cada minuto, mas, das três temporadas de Reacher, essa é muito claramente a que mais anda a passo de cágado manco com artrose. Quando o clímax apoteótico chega, ele é longo demais, com uma montagem porca, momentos de revirar os olhos e lutas e tiroteios pouco inspirados.
E nem vou perder muito tempo falando da capacidade que Reacher tem de matar quem quer que seja dos jeitos mais criativos sem que seu disfarce desmorone, de falar com seu mini-telefone que fica na sola do sapato (quase como o Agente 86) toda hora sem nunca ser pego, de sair e entrar na mansão a seu bel prazer e com mais facilidade do que o Homem-Aranha, com direito à natação noturna no mar revolto e cheio de pedras. São bobagens como essa que eu me divirto vendo, mas não quando essa diversão é protraída no tempo até cansar e não quando as mesmas situações são repetidas infinitamente como se no episódio anterior Reacher não tivesse feito uma variação disso ou como se nas temporadas anteriores ele também tivesse mostrado todas essas suas incríveis habilidades. Para ficar bem claro, eu não quero ou espero nada minimamente cerebral de uma série como Reacher, mas sim que ela ofereça elementos bem executados dentro de sua proposta, ou seja, eu gostaria de sequências de ação realmente empolgantes, bem dirigidas e bem montadas, roteiros que não são apenas resultantes do coitado do estagiário ticando quadradinhos em um formulário padrão do livro 101 Dicas Infalíveis de como Escrever um Roteiro de Hollywood e outros detalhes que hoje muitos reputam como desimportantes sob a desculpa robótica do “essa série não é para ser Cidadão Kane“. Mais resumidamente, eu quero algo que justifique de verdade as quase sete horas dedicadas a essa canja Knorr que, a cada ano que passa, vai ficando mais rala e sem gosto.
Reacher – 3ª Temporada (EUA, 20 de fevereiro a 27 de março de 2025)
Desenvolvimento: Nick Santora (baseado em série de romances de Lee Child)
Direção: Sam Hill, Gary Fleder
Roteiro: Scott Sullivan, Penny Cox, Cait Duffy, Lillian Wang, Michael J. Gutierrez
Elenco: Alan Ritchson, Maria Sten, Sonya Cassidy, Johnny Berchtold, Roberto Montesinos, Olivier Richters, Brian Tee, Anthony Michael Hall, Daniel David Stewart, Caitlin McNerney, Helen Taylor, Ronnie Rowe Jr., Donald Sales, Storm Steenson, Owen Roth, Greg Bryk, Manuel Rodriguez-Saenz, Brendan Fletcher, Mariah Robinson, Andreas Apergis, Robert Bazzocchi, Aleks Paunovic, Anousha Alamian
Duração: 404 min. (oito episódios)