- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas da temporada anterior e de todo o nosso material da franquia.
Reacher é, sem dúvida alguma, a reencarnação domada, suavizada e, tirando de vez as papas da língua, castrada dos filmes de brucutu dos anos 80, o que torna a série, ao lado de um Alan Ritchson que tem em carisma o que lhe falta em capacidade de atuar, fácil de ser apreciada. O problema é que Nick Santora, que comanda a produção, parece não só saber disso, como ele se refestela nessa constatação, não movendo um dedo para assumir qualquer tipo de risco, seja em roteiro, seja na direção ou em qualquer outro elemento técnico formativo da série. Reacher, exatamente como seu protagonista, é a mesma coisa sempre, e não digo apenas de uma temporada para outra, pois isso fica evidente pelo “copia e cola” que só muda o pano de fundo, mas sim de episódio em episódio, um repetindo exatamente a mesma fórmula sem se desviar dela por um segundo sequer.
Basta notar que em todo episódio é obrigatório que alguém fale do tamanho descomunal do físico de Jack Reacher não uma, mas pelo menos duas vezes, isso quando não são quatro, cinco ou até seis vezes. Também não podem faltar comentários sobre ele ser basicamente um vagabundo que trafega sem rumo pelos EUA com a roupa do corpo e uma escova de dentes no bolso não por não ter alternativa, mas sim por escolha consciente ou por algum tipo de masoquismo não diagnosticado. Além disso, não tem um episódio em que ele não faça uma dedução sherlockiana brilhante, que ele não demonstre ser um mestre absoluto em perceber que está sendo seguido ou de alguma forma ameaçado ou que ele não esmurre alguém até o sujeito virar polpa de tomate e ele ser esmurrado ou alvejado, mas sem que ele sinta mais do que o equivalente a uma picada de mosquito. Obviamente que não faltam os close-ups na cara de enfezado dele ou uma câmera baixa para tornar ainda mais saliente o visual marombado do sujeito. E, exclusivamente nesta segunda temporada, tudo isso que eu descrevi é acrescentado de comentários endeusadores de seus ex-subordinados para ele ou ele ser comido com os olhos pela gostosona do grupo ou Reacher ficar surpreso pelo fato de o malandrão de sua antiga equipe ser, hoje, um pai de família comportado. E, finalmente, temos ele repetindo as mesmas coisas para Frances Neagley (Maria Sten, a única pessoa do elenco fixo que tem o mínimo de habilidade dramática, mas que é subaproveitada, obviamente) que responde também com as mesmas coisas e, a partir de certo ponto, ele ligando para o bandidão chefe vivido preguiçosamente por Robert Patrick para ameaçá-lo da mesma maneira que qualquer um de nós ligaria para um amigo para perguntar como ele está.
Ah, mas isso era também basicamente a fórmula de todo filme de brucutu dos anos 80, alguns argumentarão. Sim, obviamente era e eu sei disso muito bem, pois eu não só vivi a época, como eu adorava esses filmes (a prova irrefutável disso é que capitaneei feliz da vida os especiais que abordaram as filmografias de Arnold Schwarzenegger e de Jean-Claude Van Damme, além de ter feito essa lista cheia de testosterona aqui). Mas acontece que os filmes de brucutu dos anos 80 eram exatamente isso, FILMES, ou seja, eles exigiam que aceitássemos essas circunstâncias estúpidas e repetições imbecilizantes por 90 minutos, no máximo duas horas de cada vez, e não por 374 minutos, mesmo que picotados em oito partes. Reacher simplesmente não tem estofo para sustentar mais do que dois episódios sem sair se repetindo ad nauseam ou tentando criar complicações pateticamente simples e bobas para esticar a narrativa, como são os flashbacks para consolidar na mente do espectador o quão unido era a unidade de polícia militar comandada por Jack Reacher ou como é a presença do vilão conhecido apenas pela sigla A.M. (Ferdinand Kingsley) que nada mais é do que alguém que só existe para que a temporada tenha um final boss fácil demais de eliminar depois do verdadeiro final boss. Diria que a escolha mais inspirada no marasmo criativo desse segundo ano foi a escalação de Domenick Lombardozzi para viver (como não poderia deixar de ser) o policial Gaitano “Guy” Russo que é usado como aquela ameaça a Reacher que nem uma criança de cinco anos acredita que é mesmo uma ameaça, pois tudo é tão telegrafado pelos roteiros. Mas Lombardozzi é sempre um prazer de ver vivendo seus policiais, pelo que sua presença é um dos bons respiros na temporada.
E eu tenho plena consciência de que Reacher é uma série para ser apenas divertida e tal. Mas essa forma de encarar as coisas cansa e é muito fácil e conveniente. Se tudo é para ser apenas divertido e, por isso, não precisa oferecer nada minimamente especial (e não falo de roteiros complexos antes que alguém venha repetir aquela bobagem de que ninguém espera que a série seja Cidadão Kane), o resultado é um passe livre para que nada seja bem construído e para que tudo seja genérico e que a diversão seja sinônimo de total e absoluta passividade audiovisual. Reacher não precisava ser uma série robusta em termos narrativos, mas também não precisava ser completamente vazia em que tudo o que se espera é aquele monte de coisas que listei no segundo parágrafo da presente crítica e um ator principal que estaria confortável em um dos filmes oitentistas protagonizados por algum sujeito de peitoral avantajado segurando armas enormes. O espectador ganharia muito mais vendo o Coiote caçar o Papa-Léguas com as traquitanas da A.C.M.E. (esse sim um divertimento puro com qualidade).
Até enxergo, de longe, uma tentativa de trazer elementos mais, digamos, românticos e melancólicos nesta 2ª temporada, com Reacher lamentando o romance que nunca teve com a tal gostosona que é louca por ele ou sofrendo pelos amigos que se foram, mas nem isso é algum tipo de novidade, pois a mesma coisa acontece na 1ª temporada que começa com seu irmão assassinado e ele sendo culpado pelo crime e com ele envolvendo-se romanticamente com a policial da cidadezinha de Margrave (que, vale dizer, é infinitamente mais interessante do que a morena da nova temporada). Como disse, tudo em Reacher é reciclado, como se o primeiro episódio da temporada inaugural fosse o modelo seguido religiosamente por todos os seguintes, cansando a beleza de quem gostaria apenas de um pouquinho mais do que isso – ou menos do que isso, pois dava para contar essas histórias em 90 minutos com bastante folga.
No final das contas, o segundo ano da série é basicamente a mesma coisa que o primeiro, com a desvantagem de a novidade já ter se esvaído. Claro, continua sendo agradável se o nível de tolerância do espectador a repetições incessantes for bem alto (BEM ALTO), mas, mesmo se for, Reacher coloca o sarrafo qualitativo lá embaixo, sendo que, debaixo da superfície basicona da série, claramente há material para torná-la um pouquinho menos genérica do que acaba sendo. Que venha terceira temporada que, suspeito, não mudará em nada o cenário que descrevi acima e eu mesmo terei que fazer como a série e me repetir incessante e inutilmente a cada ano.
Reacher – 2ª Temporada (EUA, 15 de dezembro de 2023 a 19 de janeiro de 2024)
Desenvolvimento: Nick Santora (baseado em série de romances de Lee Child)
Direção: Sam Hill, Omar Madha, Carol Banker, Julian Holmes
Roteiro: Nick Santora, Scott Sullivan, Penny Cox, Cait Duffy, Michael J. Gutierrez, Lillian Wang
Elenco: Alan Ritchson, Maria Sten, Serinda Swan, Shaun Sipos, Ferdinand Kingsley, Robert Patrick, Domenick Lombardozzi, Luke Bilyk, Andres Collantes, Edsson Morales, Shannon Kook, Dean McKenzie, Christina Cox, Lochlyn Munro, Al Sapienza, Malcolm Goodwin
Duração: 374 min. (oito episódios)