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Crítica | Re-Animator: A Hora dos Mortos-Vivos

por Ritter Fan
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Dan Cain: Ele está morto?
Herbert West: Não mais.

  • Há leves spoilers.

Chega a ser irônico que uma das melhores adaptações de uma obra de H.P. Lovecraft seja um terrir tipicamente oitentista repleto de gore e uma perturbadora sequência de abuso sexual (que não existe em todas as versões até, mas é a que usei para fazer a análise). E é mais interessante, ainda, que Re-Animator tenha nascido como um projeto que mirava uma montagem teatral pelo saudoso Stuart Gordon, transformando-se, em seguida, em um piloto de série de televisão, somente para, depois, ganhar sua versão definitiva como longa cinematográfico.

E mais! Gordon queria fazer um filme sério, de época, que respeitasse a homenagem à Frankenstein, de Mary Shelley, que foi todo o objetivo de Lovecraft, mas sua parceria com Dennis Paoli e William Norris o levou para o caminho da modernização da narrativa para cortar custos e o tom cômico/satírico à la Evil Dead para permitir o uso de todo o sangue que eles queriam sem que a imersão fosse quebrada. O resultado foi um dos grandes clássicos do gênero (terrir, mortos-vivos, escolha sua classificação!) e que sobreviveu muito bem ao teste do tempo, além de ter resultado nas obrigatórias continuações – A Noiva do Re-Animator e Re-Animator: Fase Terminal – e até mesmo um musical montado em Nova York, em 2011.

A história abre com um preâmbulo em Zurique, na Suíça, em que vemos o “cientista maluco” Herbert West (Jeffrey Combs) revivendo o Dr. Hans Gruber (Al Berry), só que com efeitos colaterais, digamos, explosivos. Isso já estabelece o tom da narrativa sem que quase nenhuma palavra em inglês seja dita e prepara o espectador para o que está por vir em poucos e preciosos minutos que também deixam às escâncaras o tino narrativo de Gordon. Depois de uma bela sequência de créditos ao som da música-tema de Psicose rearranjada por Richard Band que a apropria e a converte, sem pudor, no tema de Re-Animator, a ação é transposta para a Nova Inglaterra, especificamente para a Miskatonic University, onde somos apresentados ao promissor estudante de medicina Dan Cain (Bruce Abbott), sua namorada e filha do reitor Megan Halsey (Barbara Crampton), o reitor conservador Dean Halsey (Robert Sampson) e o ambicioso e claramente perturbado Dr. Carl Hill (David Gale), que, por sinal, tem uma tara doentia por Megan. É nesse ecossistema relativamente pacífico que Herbert West é reinserido como estudante e locatário de um quarto na casa de Dan, não perdendo tempo em recomeçar suas experiências para reanimar mortos com um reagente que mais parece o sangue do Predador.

O que segue é o padrão de filme desse naipe, mas Stuart Gordon mantém exemplarmente o controle de ritmo, de suspense e de comicidade, a verdadeira chave para o sucesso de Re-Animator que nunca se torna repetitivo ou cansativo, com cada minuto de projeção sendo aproveitado para o desenvolvimento dos personagens que, claro, mas não negativamente, são arquétipos do gênero: o inocente que se envolve na confusão, o reitor/pai durão, a bela dama em perigo, o cientista maluco e o médico vilanesco. Além disso, considerando o orçamento de menos de um milhão de dólares, não só Stuart consegue fazer muito com absolutamente nada – a sequência do gato reanimado no porão é o exemplo máximo disso -, como a equipe de efeitos visuais e práticos, maquiagem e direção de arte fazem milagres atrás de milagres que vão desde simples incisões a laser no crânio de corpos, até complexas e longas sequências de um corpo sem cabeça (ou de uma cabeça sem corpo, lógico), sempre com hectolitros de sangue.

Mesmo que o tema frankensteiniano do conto original seja deixado um pouco de lado para o roteiro focar em uma abordagem mais afeita a zumbis, a grande verdade é que o texto de Gordon, Paoli e Norris alcança uma amálgama muito bem construída desses clichês do horror corporal, com um humor que não é lastreado por piadinhas deslocadas, mas sim pelo mais completo inusitado das situações e pela capacidade de Jeffrey Combs de compor um Herbert West que é, em partes iguais, insano, histriônico, sério e heroico, não necessariamente nessa ordem e não necessariamente resultando em uma atuação que podemos chamar de excelente sem categorizá-la cuidadosamente dentro desses parâmetros e para os fins específicos dessa obra.

Além disso, mesmo que a mencionada sequência de abuso sexual no necrotério da universidade cortada da versão cinematográfica americana (ó, puritanismo falso!) e que quase chega a ter cunilíngua por uma cabeça decepada seja revoltante, ela é, ao mesmo tempo, absolutamente brilhante por sua coragem, originalidade e realização técnica. São alguns minutos que o espectador quer fechar os olhos, mas sem conseguir e que só amplificam a sensação de bizarrice da obra, de certa forma equiparando-se ao estupro arbóreo do já citado Evil Dead.

Posso estar errado, mas acho que Lovecraft admiraria o que fizeram com seu conto aqui, especialmente porque ele nunca teve um amor muito grande por essa obra em particular e talvez apreciasse a zombaria que Stuart Gordon engendra com muita perspicácia. Seja como for, Re-Animator permanece, sem dúvida alguma, como um clássico que transita entre gêneros e que mantém-se vigoroso mesmo na era dos exageros digitais.

Re-Animator: A Hora dos Mortos-Vivos (Re-Animator, EUA – 1985)
Direção: Stuart Gordon
Roteiro: Stuart Gordon, Dennis Paoli, William Norris (William J. Norris) (baseado em obra de H.P. Lovecraft)
Elenco: Jeffrey Combs, Bruce Abbott, Barbara Crampton, David Gale, Robert Sampson, Al Berry, Carolyn Purdy-Gordon, Ian Patrick Williams, Gerry Black, Peter Kent, Craig Reed
Duração: 104 min.

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