Quando Elmore Leonard morreu, em 2013, seu filho Peter já era autor de romances policiais, tendo publicado cinco livros. Ele ainda demoraria mais cinco anos para aproximar-se de uma criação do pai e, quando o fez, naturalmente embarcou naquele que talvez seja o personagem mais famoso da bibliografia paterna, o delegado federal com chapéu de caubói Raylan Givens, não só por ter aparecido anteriormente em três romances e um conto, além de um telefilme, mas também e principalmente por ter protagonizado a série Justified, estrelada por Timothy Olyphant.
Faço questão de frisar que Peter Leonard já era autor bem antes de escrever um romance tendo Givens como protagonista, pois isso contextualiza minha afirmação seguinte: Raylan Vai para Detroit (minha tradução direta do título original, já que o romance não foi publicado por aqui) é, muito claramente, um livro de Peter Leonard e não de Elmore Leonard. E eu vejo isso com bons olhos, pois o filho não tenta imitar o pai e tem sua própria voz. Lógico que o Raylan Givens que ele escreve é, inafastavelmente, o Raylan Givens criado pelo pai, especialmente o que aparece em Fogo no Buraco e Raylan, pois os dois primeiros romances com o personagem – Pronto e Cárcere Privado – constroem um delegado bem diferente.
Talvez porque o autor tenha nascido em Detroit, ele tenha decidido iniciar sua história por lá, com Raylan Givens tendo sido transferido para a referida cidade depois de uma altercação com seu chefe. No entanto, mesmo tentando racionalizar, essa escolha é para lá de estranha, especialmente considerando que até o título do romance dá um destaque enorme para essa mudança. E a razão para isso é que a obra, que lida com Raylan, ao lado da agente do FBI Nora Sanchez, perseguindo o violento criminoso José Rindo, se passa apenas inicialmente em Detroit, com a ação deslocando-se para o Arizona. Em outras palavras, não faz nenhuma diferença se Raylan foi ou não transferido e para que cidade, já que não só o assunto não é aprofundado, como Detroit nem sequer chega a pesar nas decisões narrativas de Peter Leonard.
Por outro lado, essa escolha só causa estranhamento mesmo e não exatamente afeta positiva ou negativamente a leitura. O que importa saber é se a história funciona e ela, em razão de sua simplicidade, basicamente só não funcionaria se Peter Leonard escrevesse mal e isso ele não faz. Não que ele tenha o comando das palavras que seu pai tinha, pois não chega nem próximo, mas o autor trabalha bem sua narrativa, compassando-a de maneira ritmada e trabalhando a conexão hesitante de Raylan com Nora, que esconde um segredo, além de desenvolver com competência o antagonista. Mas, como eu disse, a narrativa é bastante objetiva, com José Rindo sendo encarcerado e fugindo algumas vezes, o que ajuda a intensificar a busca e a frustração por parte de Raylan e Nora.
Raylan Vai para Detroit, porém, não traz nada de especial ou diferente ao leitor, seja no que se refere a Raylan (a não ser sua mudança para Detroit que, vale repetir, não tem nenhuma função na história), seja no que se refere aos novos personagens. Trata-se de uma leitura fácil e até familiar para quem conhece o protagonista, pois o autor, mesmo com seu próprio estilo, consegue manter a homogeneidade de tratamento dada a ele, mas que também funciona como uma primeira história de Raylan já que seu passado sequer é mencionado. Mas, como uma história policial, ela é protocolar, resvalado no genérico e só não mergulhando de vez nessa vala em razão de seu protagonista que, como é sua marca, parece que veio direto do final do século XIX.
Raylan Vai para Detroit (Raylan Goes to Detroit – EUA, 2018)
Autor: Peter Leonard
Data original de publicação: 18 de setembro de 2018
Editora: Rare Bird Books
Páginas: 320