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Crítica | Raylan (Raylan Givens #4), de Elmore Leonard

Nem um romance, nem uma continuação.

por Ritter Fan
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O retorno de Elmore Leonard ao seu famoso delegado federal de chapéu de caubói Raylan Givens 11 anos depois de sua aparição literária anterior no conto Fogo no Buraco é o único romance com o personagem que foi escrito enquanto a série Justified – adaptada eminentemente a partir do referido conto – ainda estava no ar e acabou sendo a última obra do autor, que faleceria, aos 87 anos, em 20 de agosto de 2013 depois de complicações causadas por um derrame que sofrera em julho do mesmo ano. O laconicamente intitulado Raylan é, portanto, a quarta e última vez em que Leonard escreveu sobre o personagem, mas o romance, apesar de suas inegáveis qualidades literárias típica do autor, é um pesadelo para quem se interessa por continuidade, além de ter um problema de construção que reputo sério.

Na questão da continuidade, se Pronto, Cárcere Privado e o citado Fogo no Buraco podem facilmente ser considerados como histórias independentes e autocontidas dentro de um mesmo universo literário que tem Raylan Givens como protagonista, o mesmo não pode ser dito de Raylan que reintroduz um personagem morto em Fogo no Buraco como se nada tivesse acontecido e reposiciona o delegado em definitivo no Kentucky sem fornecer maiores explicações para isso (no conto anterior, ele foi ao Kentucky para ajudar em uma investigação apenas, com Miami permanecendo como sua base de operações). A lógica por trás dessa escolha é, claro, o sucesso da série de TV que tornou o personagem falecido consideravelmente importante para a mitologia do protagonista, justificando seu retorno. No entanto, Raylan tampouco é um romance que se integra à série de TV, já que diversos outros personagens ou são retrabalhados ou são alterados por completo, inclusive o nome. Em outras palavras, Raylan deve ser lido como uma obra independente por quem realmente tiver preocupação com algum semblante de continuidade.

Afastado esse ponto que, para mim, não é um problema sério, apenas um incômodo que gera estranheza, o aspecto que realmente afeta o romance é que ele é, na verdade, duas histórias em uma, como se fossem dois episódios da série costurados em uma obra só. Isso não seria problemático se a costura fosse cuidadosa e realmente invisível, mas não é o que acontece aqui, com o primeiro caso, que envolve tráfico de órgãos humanos, não conversando muito bem com o segundo, que lida com a chegada de uma porta-voz da empresa mineradora de carvão que deseja comprar os direitos de exploração de uma montanha ainda intocada na região. Pode ser que não tenha acontecido assim, mas a impressão que fica é que o autor realmente escreveu duas histórias soltas em tamanho de novelas e, em um passo seguinte – por decisão própria ou a pedido da editora – tratou de enxertar, na segunda, menções à primeira de maneira a criar um semblante de continuidade.

Independente do que tenha efetivamente acontecido, o fato é que Raylan não funciona de verdade como um romance uno e indivisível, mas sim como uma coletânea de duas histórias separadas dentro de um mesmo universo, com um mesmo protagonista, ainda que, como disse, não se relacionando nem com a série literária anterior, nem com a de TV. Quem conhece a série, porém, reconhecerá a segunda história – a da mineradora – como uma versão da que serviu de base para grande parte da segunda temporada com a primeira história tendo sido aproveitada em Thick as Mud, o quinto episódio da terceira temporada, o que só contribui para tornar o livro uma obra no mínimo estranha em sua concepção.

Mas, mesmo octogenário, Elmore Leonard não havia perdido sua capacidade única de contar histórias de maneira concisa e econômica e essas suas características estão inegavelmente presentes em Raylan, mesmo que o romance, como romance, seja falho. A primeira história, sobre o tráfico de órgãos humanos, é a mais interessante e a que gera uma ótima e quase surreal sequência de ação em que Raylan precisa desvencilhar-se dos bandidos depois de ser drogado e colocado em uma banheira para ter seus rins retirados. A segunda é uma versão concisa do que já havia ido ao ar no ano anterior, com Raylan servindo de guarda-costas para a representante da empresa mineradora e tendo que lidar com conflitos morais sobre sua obrigação de protegê-la e sua consciência de que a exploração do carvão, na região, vem destruindo o meio-ambiente e a saúde da população. No entanto, essa linha narrativa não leva a um ponto culminante e ela apenas acaba, sem uma efetiva conclusão que funcione dentro da proposta.

A última aparição de Raylan Givens na literatura por Elmore Leonard é, portanto, um livro não muito equilibrado que tenta reunir duas histórias de um mesmo universo em um conjunto coeso, mas que falha nessa intenção. Ainda é uma leitura agradável bem no estilo inconfundível do autor, mas ela não é tudo o que prometia ser.

Raylan (Idem – EUA, 2012)
Autor: Elmore Leonard
Editora original: Mariner Books (capa dura)
Data original de publicação: 17 de janeiro de 2012
Editora no Brasil: Companhia das Letras
Data de publicação no Brasil: 17 de outubro de 2013
Tradução: George Schlesinger
Páginas: 272

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