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Crítica | Ratatouille

por Iann Jeliel
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Qualquer um pode cozinhar.

A ironia da premissa se expande no desejo da Pixar de criar histórias sobre sonhos “impossíveis”. De cara, a brincadeira semântica de Rato com Ratatouille, aliada ao sonho do protagonista, Remy, em querer ser um chefe de cozinha contrariando o pensamento dos humanos sobre as condições de sua espécie cria um cenário bastante claro para os ensinamentos morais que a animação irá conduzir pelo restante de sua narrativa. A previsibilidade, no entanto, nunca foi um problema dos filmes da Pixar, que a essa altura já possuía características bem definidas para as estruturas de suas animações.

Brad Bird, animador que já havia trabalhado com o estúdio em Os Incríveis, talvez tenha sido o que mais fugiu de uma linearidade geográfica de conflitos, onde os personagens precisam voltar para a casa ou protegê-la, e no caminho, a depender de cada história, terem suas jornadas evoluídas com base em superações e redenções. Se em Os Incríveis a liberdade estrutural fora desse círculo possibilitou uma enorme exploração do seu universo, em Ratatouille a mudança estrutural propositalmente acabou gerando o efeito inverso. Pela proposta mais intimista, o filme se limita espacialmente aos arredores do restaurante do chef Gusteau e acaba por limitar a própria premissa na ironia inicial que só precisa ser confirmada ao longo da história, ou para muitos, ressignificada.

É sobre essa ideia de ressignificação que Bird sustenta sua condução longe do fácil apreço, arriscando-se a instruir sua narrativa no acúmulo de conflitos ao invés de um sequenciamento deles, sem que um – perdão pelo trocadilho – engula o outro. É o conflito de Remy com a família e a sua necessidade de comida, é o conflito de Remy com Linguini, é o conflito de Linguini com o chefe, do chefe para com o restaurante e do restaurante para com os críticos que o avaliam, em especial, o icônico Anton Ego.

Essa habilidade de transitar entre diferentes linhas de conflito em conjunto é mérito completo do diretor, que desde Gigante de Aço possui um olhar diferenciado a respeito da organização rítmica de suas animações. Ele organiza primorosamente o timing necessário de cada cena, valorizando os espaços destinados à humanização dos personagens sem ignorar a construção visual de seus estereótipos, tanto que é nesse ajuste entre roteiro e o visual que Ratatouille posiciona suas surpresas de ressignificação. Acontece que nesse sentido o olhar acaba por ser inevitavelmente mais isolado, e quando você quebra e isola alguns conflitos do filme, fica nítido a falta de uma estrutura mais convencional para preencher a completude necessária para que todos sejam relevantes.

Peguemos, por exemplo, o conflito de Remy com sua família e seu desejo de fazer com que eles se distanciem de sua natureza “nojenta”. É impactante quando você trabalha esse drama na base “família”, que faz com que aquela cena de todos os ratos ajudando Remy a preparar as refeições de Ego seja empolgante. Por outro lado, pegando só o conflito isolado, há muito pouco embate entre Remy e o pai, por exemplo, que justifique tamanho distanciamento ocorrido na história e principalmente tamanha velocidade no entendimento da situação do filho. E isso vai se aplicando em outras situações, como o romance de Linguini e Colette que só funciona na ideia subversiva, o tímido e a de personalidade forte, não exatamente pela construção química do romance em si. Seria injusto, no entanto, desqualificar o longa por essa abordagem quebrada, afinal é dito no próprio filme:

“Pegue um queijo, experimente, pegue um morango, experimente. Cada sabor é completamente único. Mas misture um sabor ao outro, e algo novo é criado.”

É uma ideia que se aplica à própria crença do filme no trabalho desses arcos em conjunto para a criação de algo único, em que as aparências não contam tanto para a importância da mistura. Seguindo fielmente esse princípio, o roteiro, apesar de indicar mirabolâncias climáticas, é resolvido no simples, com a fantástica solução final para Ego, fechando o ciclo de confirmações de modo honesto com a proposta. O mais curioso na reflexão de Ego em seu monólogo final é que ela parece à parte dos conflitos principais do filme, mas possui questionamentos tão universais que complementam todos esses conflitos de modo que eles representem uma única que pode ser direcionada tanto ao poder da simplicidade e à relação de arte, artista e crítico quanto a uma autocrítica à especialidade de Ratatouille enquanto filme, tornando-a ainda mais marcante e significativa para o conjunto da obra.

Ainda que olhe torto para o universo de Ratatouille em comparação a outros mais ricos da própria Pixar, o carisma de abraçar seu maior triunfo como animação é conquistador. Não chega a ser um prato cheio, mas é aquele prato plenamente satisfatório, que sob condições especiais se torna igualmente especial para quem o degusta.

Ratatouille (EUA, 2007)
Direção:
 Brad Bird, Jan Pinkava
Roteiro: Brad Bird
Elenco: Brad Garrett, Lou Romano, Patton Oswalt, Brian Dennehy, Peter Sohn, Peter O’Toole, Brad Garrett, Janeane Garofalo
Duração: 111 minutos

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