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Crítica | Raised by Wolves – 2X03: Good Creatures

Uma pitada de Mad Max não faz mal.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Não me canso de admirar a beleza visual que é Raised by Wolves. Beleza não tradicional, que fique claro, o que é justamente a razão principal para eu admirá-la, já que, mesmo quando a fotografia recorre aos atributos naturais de Kepler 22-b, agora mais salientes considerando a alteração de cenário para sua zona tropical, ela continua opressiva, com um sol filtrado que mais machuca os olhos do que embeleza e vegetação que parece ter sido milimetricamente pensada para assustar e afastar, não aproximar. Para todos os efeitos de metáfora, Mãe, Pai e as crianças chegaram ao Paraíso, mas o que essa abordagem faz é transformar essa Terra Prometida em algo visualmente muito próximo à inóspita área em que eles viviam antes, com a única real diferença sendo a abundância de comida.

Mas esse visual desafiador da série não fica apenas nos cenários. Os androides protagonistas são absolutamente espetaculares em sua desconcertante simplicidade, cada um com um figurino cinza-prateado de corpo inteiro que coloca nos literais colos da dinamarquesa Amanda Collin e do britânico Abubakar Salim toda a responsabilidade de nos convencer de suas respectivas naturezas que vão muito além de serem autômatos e também, diria, humanos. É, sem dúvida, uma das mais realistas abordagens fronteiriças entre criação e criador em uma mesma criatura artificial, com o desenvolvimento deles, até este ponto da história, sendo irretocáveis, algo que é amplificado aqui em Good Creatures com as palavras gentis que eles trocam quando se encontram na caçada da serpente voadora.

Falando nela, apesar de compreender – pelo menos em parte – as conexões mitológicas que Aaron Guzikowski tenta imprimir à criatura, ela é, pelo menos para mim, o ponto fora da curva em termos de direção de arte e design de produção. E não falo aqui do CGI usado para criá-la, pois isso funciona bem dentro da série, mas sim de sua aparência e de sua função até agora. Há uma estranheza inquieta no “Número 7” que é difícil de descrever, algo que, tenho certeza, é uma das razões de sua existência e destaque na temporada. Depois das revelações de que a criatura é herbívora – e da suspeita de que há outra, o que só acrescenta à já grande quantidade de mistérios – e de que, em tese, ela não é uma ameaça a nenhum dos humanos na comunidade ateia, sua inserção na história promete ser ainda mais assertiva e eu realmente espero que a narrativa caminhe para algo que vá além de sua natureza alegórica e não porque eu queira explicações detalhadas sobre tudo – longe de mim querer isso, na verdade! -, mas sim porque acho importante que haja alguma convergência entre o sobrenatural e o puramente científico, que é um fio da navalha que a série vem percorrendo muito bem.

Outro aspecto importante do episódio é avançar no lado do Pai. Mãe, claro, andou a passos largos em seu desenvolvimento na temporada anteriores e Pai, aqui, vem ganhando crescente destaque, especialmente agora que ele deve conseguir ligar o androide ancestral cujos restos ele encontrou nas imediações e ter seu próprio filho, em uma demonstração simultânea de orgulho por gerar viva e ciúmes de Mãe, que já teve essa oportunidade. O que sairá desse androide revivido, só o tempo dirá, mas considere-me intrigado, pois ele deve ser a fonte principal para conhecermos o que afinal aconteceu com os humanos (ou humanoides no planeta).

Igualmente, Pai recebe atenção na forma de gladiador em uma sequência que, confesso, jamais esperaria ver na série por se assemelhar muito mais a algo que sairia da franquia Mad Max do que de Raised by Wolves. No entanto, a grande verdade é que aquele mercado de trocas, a arena, Billy, o androide industrial com braço de serra elétrica e toda a pancadaria rápida que segue daí, de alguma forma estranha, parece magicamente combinar com esse universo. É como aquele momento que não sabíamos que tínhamos o direito de sequer sonhar que acontecesse, mas que, quando finalmente acontece, encaixa-se sem nenhum tipo de percalço. E o melhor de tudo é ver Pai gostando, verdadeiramente sorvendo a fama que ele adquire ao derrotar a ameaça descerebrada que parte com tudo para cima dele. Será que veremos o pacato androide transformando-se em um guerreiro de final de semana?

Falando em guerreiro, que reviravolta interessante essa de Marcus, não? Ele enfrenta Pai basicamente “na fé” e seu deus, Sol, o reveste dos poderes necessários para derrotar o androide e seus pares. Temos, portanto, um verdadeiro profeta, um emissário divino que vem para libertar os oprimidos das garras de um faraó cibernético e levá-los para a Terra Prometida. Como um dos temas da série é a aproximação do homem à máquina e vice-versa, essa transformação de Marcus – que só pode ter relação com o olho da Mãe que ele é obrigado a engolir no final da temporada anterior – o faz tornar-se uma espécie de híbrido, um homem com a força de um androide ou, pelo menos, parte dela. É algo que, claro, precisa ser explorado com cuidado e parcimônia na série, diria, para evitar roteirismos semelhantes ao que faz o mar ácido corroer algumas coisas e outras não (ainda me incomodo com isso, não tem jeito), mas consigo enxergar um baita potencial nessa linha narrativa, especialmente agora que ele se reuniu ao seu “filho” e que esse filho, sem saber, provavelmente carrega consigo um camundongo com rastreador que levará O Íntegro a localizá-los e a lançar um ataque.

Good Creatures é o que a temporada estava precisando. Um episódio tão bonito quanto a série em si que faz a narrativa caminhar a passos largos ao fazer a serpente voadora ser algo menos do que uma ameaça, mas sem desfazer o mistério, além de fazer Pai ganhar o destaque que merecia e Marcus tornar-se um messias com superpoderes. Ainda há um caminho longo pela frente, mas, a julgar pelo que vimos aqui, o que não falta à série são momentos surpreendentes e ousados que, espero, levem a um desfecho satisfatório.

Raised by Wolves – 2X03: Good Creatures (EUA, 10 de fevereiro de 2022)
Criação: Aaron Guzikowski
Direção: Sunu Gonera
Roteiro: Julian Meiojas
Elenco: Amanda Collin, Abubakar Salim, Niamh Algar, Travis Fimmel, Jordan Loughran, Felix Jamieson, Ethan Hazzard, Aasiya Shah, Ivy Wong, Peter Christoffersen, Selina Jones, Morgan Santo, James Harkness, Kim Engelbrecht, Jennifer Saayeng
Duração: 54 min.

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