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Crítica | Quem Vai Ficar com Mary?

Risadas inapropriadas.

por Kevin Rick
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Sou bem interessado no mundo dos comediantes, de como encaram e pensam o humor, principalmente numa sociedade cada vez mais sensível e melindrosa de tirar sarro. Recentemente, estava assistindo um especial da HBO chamado Talking Funny, em que Chris Rock, Louis C.K., Ricky Gervais e Jerry Seinfeld falam sobre comédia, stand-up, piadas e suas audiências. É uma conversa super interessante de alguns dos maiores titãs do humor contemporâneo, com um momento em específico que os artistas discutem se uma piada precisa ser “inteligente”. Louis C.K. diz que o que importa é a risada do público, independente da virtude ou valor do humor, momento em que ele conta uma piada de pum/peido, apenas para ver todos os comediantes passarem mal de rir.

Para mim, esse ponto do C.K. encapsula Quem Vai Ficar com Mary?, filme de comédia dos anos 90 dirigido pelos irmãos Farrelly que fez muito sucesso por conta de seu teor ultrajante e politicamente incorreto. É uma produção tão chocante e ofensiva, mas também tão inesperadamente hilária que é difícil não ter sentimentos conflituosos em torno do longa. É por isso que entendo, e até certo ponto concordo com quem interpreta o filme como desagradável e insultante, mas caramba, como eu ri ao rever a produção. Odeio o clube de “filme de ação tem que ter só ação” e por aí vai para qualquer gênero, justificando obras superficiais com o famoso “cumpre seu propósito”, mas Quem Vai Ficar com Mary? coloca sentido na frase de que um filme de comédia tem que apenas ser engraçado, mesmo que flertando com a falta de noção.

Para dar contexto, a história do filme acompanha Mary (Cameron Diaz), uma mulher linda e charmosa que estranhamente atrai diversos homens desprezíveis, todos obcecados por algo que a personagem tem. No meio desses homens, há o ingênuo Ted (Ben Stiller), que é apaixonado por Mary desde a escola e, após 12 anos sem conseguir deixar esse sentimento, decide contratar um investigador (Matt Dillon) para achar a amada, mas o próprio contratado também se apaixona pelo alvo. A partir daí, assistimos uma balbúrdia narrativa de homens tentando enganar Mary.

O filme se enquadra no que é chamado de gross out comedy, ou seja, um humor com intenção de chocar e enojar sua audiência com material controverso, então não esperem sua típica comédia romântica entre Mary e Ted. No bloco inicial da obra, Ted se encontra numa situação, digamos, constrangedora quando tem um acidente com seu zíper e genitália, o que por si só é um piada de choque, mas a produção continua dobrando o absurdo da cena com os pais de Mary vendo a “lesão”, para logo depois policiais e bombeiros chegarem na cena. Nada faz sentido e a cena em si é trabalhada como uma esquete, que fica cada vez mais exagerada e hilária com o passar dos segundos.

O restante do filme é cheio dessas cenas-esquetes, com destaque para duas longas sequências envolvendo um pobre cachorro. Os irmãos Farrelly entendem como fazer quebras de expectativas nesses momentos, porque sempre que a audiência pensa que o humor atingiu o limite do politicamente incorreto, eles adicionam mais um nível e mais um nível até que a situação se torne praticamente cartunesca. É tudo uma mistura de besteirol e humor de quinta série que, pelo menos comigo, trouxeram risadas primitivas, de quase vergonha de rir de determinadas piadas tão absolutamente “erradas”.

Quando a narrativa está passando pelos interlúdios entre esses momentos absurdos, o longa fica meio moroso e menos engraçado, mas o elenco consegue carregar essas transições com ótimas performances. Stiller, Dillon, Lee Evans e Chris Elliott interpretam diferentes estereótipos e caricaturas, todos com boa dose de ultraje e subterfúgios, com destaque para o investigador-assassino de Dillon. Já Cameron Diaz tem pouco espaço para se divertir na controvérsia, mas exume carisma e vende muito bem a aura magnética que a história propõe em torno de Mary.

Quem Vai Ficar com Mary? está longe de ser uma obra-prima artística, mas é inegável a coragem dos envolvidos em retirar risadas de situações que sabemos que não devemos rir ou que pensamos que nunca riríamos. É humor juvenil, idiota, imaturo e pra lá de ofensivo, mas tão inadvertidamente hilário em suas piadas inapropriadas e com uma certa autoconsciência de não se levar a sério que é difícil não se pegar simplesmente dando gargalhadas. Entendo quem desgoste da abordagem, mas chame de mea culpa ou guilty pleasure, porque é um filme engraçado, igual quando alguém solta um pum inesperado ou alguém conta uma história de quando alguém soltou um pum inesperado. Não é sofisticado, mas pode te fazer rir.

Quem Vai Ficar com Mary? (There’s Something About Mary – EUA, 1998)
Direção: Peter Farrelly, Bobby Farrelly
Roteiro: Ed Decter, John J. Strauss, Peter Farrelly, Bobby Farrelly
Elenco: Cameron Diaz, Matt Dillon, Ben Stiller, Lee Evans, Chris Elliott
Duração: 119 min.

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