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Crítica | Que Horas Eu Te Pego?

Mais do que um besteirol.

por Felipe Oliveira
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Nessa fase atual em que Hollywood tem revisitado tendências, é interessante como – não de maneira positiva – o gênero da comédia se tornou uma categoria nichada; e se não quiser passar totalmente despercebida, tem que ser uma aposta muito boa, ou às vezes, nem isso basta para chamar a atenção de um público que tem consumido uma comédia que faz o momentinho de humor, quase como uma regra para a massa. Por sorte, temos alguns exemplos de humor ácido sendo feito, enquanto que a comédia descabida, como em Todo Mundo em Pânico seria um prato cheio para cultura do cancelamento. Diante disso, é ótimo ter Gene Stupnitsky, um nome que segue fiel aos seus primórdios para trazer uma comédia raiz.

Ao escrever uma personagem principal que tem tudo para ser detestável, o texto de Stupnitsky e John Phillips remete bastante a era de ouro da comédia (por vezes romântica) sobre mulheres fazendo de tudo para alcançar seu objetivo. E no caso de Maddie, uma mulher falida, que para salvar a hipoteca de sua casa topa sair com um jovem, Percy, introvertido e desajeitado, puxa muito para era do besteirol erótico americano. É como se combinasse a premissa amorosa de Namorada de Aluguel com o provocante Show de Vizinha, filme da linha derivada de American Pie. Se o advento da web com a explosão da pornografia era a mola propulsora de um coming of age baseado em sexo, Que Horas Eu Te Pego? faz aqui uma sátira sobre a adolescência alienada e mergulhada em tecnologia – sendo o ápice a cena em que Maddie abre as portas dos quartos durante uma festa. 

Seguindo um caminho diferente do que sugere como uma comédia – nada romântica – inapropriada, ou seja, besteirol em sua mais pura essência, Stupnitsky e Phillips pegam dois estilos de personagens genéricos e distintos, que teriam sua jornada contada pelo viés da comédia, e transformam numa história de amizade improvável. Maddie seria uma personagem como Cameron Diaz em Professora Sem Classe, pronta para ser cancelada, enquanto Percy é um protagonista com ares de O Último Americano Virgem, porém, condicionado às características dos jovens millennials. Em termos de premissa, não há nada em No Hard Feelings que seja novidade, porém, é um filme que possui uma energia contagiante, até nas tiradas mais cafonas do humor.

Em todos os sentidos, ainda que relembre uma fase anterior da comédia americana, essa nova parceria entre Stupnitsky e Phillips é repleta de estereótipos e segue uma linha formulaica para desenvolver os personagens, porém, o que compensa cada segundo dessa comédia é o quanto a química de Jennifer Lawrence e Andrew Barth Feldman funciona. A perspectiva do filme é baseada numa protagonista que tem tudo para dar errado, ser caricata, mas Lawrence tira de letra e se entrega totalmente para dar vida a essa personagem contraditória. Os momentos mais desconcertantes e embaraçosos devem ter sido um desafio, mas a atriz foi e protagonizou todos eles com um timing genuíno, seja na incrédula cena em que briga por roupas na praia, fica de birra com uma criança no playground, ou em trechos mais dramáticos, como quando reage ao ouvir Percy tocar piano.

Já Percy, é o contraponto, o completo oposto da figura de Maddie – como o cartaz ilustra: a bonita e o esquisito – e Feldman consegue interpretar com carisma um jovem solitário; muito protegido pelos pais, com medo de desvencilhar das experiências ruins e atingir maturidade. A partir daí entra o drama funcional do filme, ao fazer dessa dupla de interesses divergentes uma amizade sobre amadurecimento. Claro que isso acontece de forma calculada, até mesmo o clímax, contido em momentos melodramáticos e cada vez mais absurdos para elevar a comédia sem limites. E mesmo reconhecendo os aspectos genéricos do filme, nada abala a química que Feldman e Lawrence proporcionam em tela, os fazendo como uma dupla genuinamente memorável.

Talvez, No Hard Feelings nem seja lembrado por no final ser uma agradável comédia dramática por trás da imoralidade ordinária que faz seu humor, porém, será lembrado por ter Jennifer Lawrence com uma performance brilhante, de forma encantadora, ao fazer de um filme que poderia ser facilmente intragável um besteirol sobre amizade e conexões.

Que Horas Eu Te Pego? (No Hard Feelings – EUA, 2023)
Direção: Gene Stupnitsky
Roteiro: Gene Stupnitsky, John Phillips
Elenco: Jennifer Lawrence, Andrew Barth Feldman, Laura Benanti, Matthew Broderick, Natalie Morales, Scott MacArthur, Ebon Moss-Bachrach, Hasan Minhaj, Kyle Mooney
Duração: 103 min

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