Quarteto Fantástico: Ciclos marca algumas “primeiras vezes”. A graphic novel é a primeira HQ licenciada a terceiros pela Marvel Comics em mais de 40 anos e é a estreia de um novo estilo artístico do grande Alex Ross que, por sua vezes, pela primeira vez em mais de uma década, escreve e desenha uma história completa, já que ele vem trabalhando quase que exclusivamente em capas e é também a primeira vez que ele retorna para escrever algo para a Marvel Comics no mesmo período. Em outras palavras, a graphic novel de acabamento luxuoso, papel de gramatura alta, acabamento impecável com capa dura, sobrecapa que abre e conta a origem da Primeira Família da Marvel com a arte clássica de Ross, é uma daquelas novidades que simplesmente exigem que sejam adquiridas pelo fã de quadrinhos.
E essa aquisição, que até pode ser por impulso em um primeiro momento, mostra-se um investimento que paga muitos dividendos, pois, apesar de relativamente curta – apenas 64 páginas – essa HQ é para ser detalhadamente admirada pelos leitores, como uma versão impressa de um bálsamo ocular. Trata-se, sinceramente, de um quadrinho que preza a forma sobre a substância, mas o conjunto da obra precisa ser encarado como uma belíssima homenagem a Stan Lee e Jack Kirby pela história ser, fundamentalmente, uma continuação de Quarteto Fantástico #51, de junho de 1966, que marcou a primeira aparição da Zona Negativa, com Ross pegando fiapos narrativos e construindo sua própria história que tem uma estranha e falha estrutura episódica, aliás não muito diferente de muitos textos de Lee, mas que ele compensa com sua magnífica arte.
E que história é essa? Em Este Homem… Este Monstro!, somos apresentados a um drama moral focado no Coisa, em que há uma troca de identidades entre ele e um homem que toma sua forma. Em Ciclos, Alex Ross usa esse mesmo homem primeiro como vetor de um estratagema vilanesco para “infectar” o mundo normal com entidades da Zona Negativa, levando o Quarteto a retornar à dimensão comandada pelo Aniquilador para descobrir o que está acontecendo e como evitar novas incursões, e, depois, como um mensageiro de esperança. É a jornada da equipe pela Zona Negativa que ganha a estrutura episódica que comentei negativamente acima, com Alex Ross usando isso para apresentar e reapresentar vilões que já eram conhecidos em 1966, em uma espécie de “desfile”. Mas, muito sinceramente, não é exatamente o roteiro que interessa aqui, ainda que o autor tenha capturado muito bem o estilo de uma época na Marvel Comics, uma época decididamente mais simples em termos narrativos.
O que realmente importa é a arte, obviamente, e, nesse aspecto, Alex Ross brilha como sempre. Saindo de seu magnífico fotorrealismo que marcou seu estilo por décadas, o desenhista parece se inspirar na pop art, estilo marcante que alcançou sua verdadeira maturidade nos anos 60, e, claro, na própria arte inconfundível de Jack Kirby para criar uma verdadeiramente magnífica explosão de detalhes que ocupam cada canto de cada uma das 64 páginas da graphic novel, com as cores que ele aplicou com auxílio de Josh Johnson fazendo especialmente o passeio pela Zona Negativa uma verdadeira viagem lisérgica que canaliza e amplifica em muitas vezes o conjunto da obra de Andy Warhol, Roy Lichtenstein e outros expoentes da década, inserindo as explosões de cores kirbyanas sempre que possível. Em outras palavras, Ross faz de sua graphic novel, além de uma obra relevante pela arte em si, um passeio pela década em que a história que deu base ao que ele escreveu foi publicada, efetivamente criando um recorte histórico de um estilo artístico e de um grande desenhistas de HQs.
Quando eu afirmei que Quarteto Fantástico: Ciclos paga dividendos, quis dizer que, enquanto a leitura em si pode durar apenas alguns poucos minutos, seja pelo número de páginas, seja pela simplicidade da narrativa repleta de “tecnobaboseiras” vindas de Reed Richards, a apreciação de cada centímetro quadrado da arte é outra história. Simplesmente virar as páginas para ler os balões de fala é uma tarefa impossível dada a beleza do que Ross desenha, mas diria que essa é a melhor maneira de ter um primeiro contato com a graphic novel: uma leitura inicial para focar na história, seguida de diversas leituras posteriores, com calma e, de preferência, uma lente de aumento e um bom foco de luz, para estudar cada pequeno “pedaço” de cada página dessa obra de arte.
Quarteto Fantástico: Ciclos é, para empregar uma expressão que minha avó usava muito, um desbunde. Alex Ross coloca estilos no liquidificador e cria uma nova arte própria que, espero, ele use outras vezes em possíveis outras obras agora que a Marvel Comics resolveu licenciar suas propriedades em casos bem específicos. Seria fantástico ver mais do Quarteto Fantástico assim, mas seria ainda melhor se Ross abrisse o leque e abordasse o Homem-Aranha, o Homem de Ferro, os X-Men e até mesmo os Eternos. Fica a torcida para que o artista não pare por aqui!
Quarteto Fantástico: Ciclos (Fantastic Four: Full Circle – EUA, 2022)
Roteiro: Alex Ross
Arte: Alex Ross
Cores: Alex Ross, Josh Johnson
Letras: Ariana Maher
Editora original: Abrams ComicArts (selo Marvel Arts)
Data original de publicação: 06 de setembro de 2022
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: setembro de 2022
Páginas: 64