Stan Lee e Jack Kirby estavam com tudo no controle do Quarteto Fantástico, criando inesquecíveis personagens como Galactus e o Surfista Prateado na chamada Trilogia de Galactus. Quatorze números depois, em julho de 1967, essa grande dupla iniciou a construção das fundações de toda mitologia envolvendo os Kree, povo extraterrestre super-desenvolvido que viria a brotar diversas linhas narrativas inesquecíveis, como a da guerra Kree-Skrull, além de heróis que para sempre ficarão no panteão Marvel, como o Capitão Marvel, que surgiria no final do mesmo ano de 1967, em sua forma original de soldado Kree.
Em Quarteto Fantástico #64, o anterior ao que é objeto da presente crítica, o Quarteto derrota um robô-sentinela Kree, esquecido aqui na Terra há milhares de anos. Com a derrota, uma mensagem é enviada ao espaço e as consequências dela é sentida logo no número seguinte, com Johnny e Ben acordando de um pesadelo idêntico em que uma entidade auto-intitulada Suprema Inteligência (primeira aparição de Supremor) julga o Quarteto por seu “crime’ lendo seus pensamentos e anuncia a chegada de Ronan, o Acusador, para dar a sentença condenatória.
Ronan logo aparece em nosso planeta e começa a estudar nossos hábitos em uma página escrita unicamente para mostrar a aparente superioridade dos Kree perante nós, reles humanos. Enquanto isso, Sue reclama que gostaria de se “envolver com supermercados no lugar de com supervilões”, em um diálogo que é deliciosamente um retrato de outros tempos. E a coisa não para por aí, pois, nessa discussão com Reed, ela diz que não tem palavras para agradecer a promessa de Reed de dar ao casal um dia “normal” na cidade e ele termina com seguinte e hilária frase: “Ótimo! Esposas devem ser beijadas e não ouvidas!” Gostaria muito de ver o escândalo internético que frases como essa gerariam hoje se elas fossem publicadas em alguma HQ…
Mas, com exceção desses diálogos completamente ultrapassados, a ação que os sucede é dinâmica, ainda que reduzida em escopo. Ronan cria um Cone da Invencibilidade ao redor dele e teletransporta o Quarteto lá para dentro e todo o conflito se passa nesse local confinado, sem destruições de larga escala como determina o padrão dos quadrinhos atuais. Assim, todo o foco é no Quarteto e em Ronan, que passa o tempo todo estupefato pelo fato daqueles “seres inferiores” não aceitarem o que está acontecendo com eles.
E com muita eficiência e mostrando que a equipe realmente funciona como tal, Stan Lee escreve seus diálogos exagerados, valendo destaque para o completamente aleatório, mas decisivo “Ben!! Há ainda uma chance! Use o estratagema 32 – ele está exatamente na posição certa!” Não dá para não rir com o “estratagema 32”, especialmente quando notamos que ele não passa de um golpe de judô ou alguma outra arte marcial…
Os desenhos de Kirby são os desenhos de Kirby. Seus traços fluidos e inconfundíveis tornam a luta muito gostosa e fácil de se acompanhar, quase dando pena que o Cone da Invincibilidade exista na narrativa. Não há muita exploração sobre o que exatamente Ronan e a Suprema Inteligência representam, mas a semente de um futuro brilhante usando o povo Kree é plantada nesse clássico número.
Um pouco mais sobre Ronan, O Acusador
Ronan foi criado, conforme se pode ver acima, como um instrumento “jurídico” do povo Kree. Ele basicamente funciona como juiz, júri e executor, comandando vasto poder não só físico, mas também oriundo de sua arma, chamada simplesmente de Arma Universal.
Mas, apesar de ter sido retratado originalmente como vilão, Ronan se desenvolve bastante, passando a anti-herói e até completamente a herói, com participações extremamente importantes na guerra Kree-Skrull e na saga Aniquilação, alé de lutar ao lado do Surfista Prateado, Bill Raio Beta, Quasar e outros heróis cósmicos no grupo Aniquiladores, que sucedeu a segunda versão dos Guardiões da Galáxia, quando do desmantelamento do grupo ao final de 2011.
Quarteto Fantástico #65 (Fantastic Four #65, agosto de 19670
Roteiro: Stan Lee
Arte: Jack Kirby
Editora: Marvel Comics
Páginas: 31