Em um mini-arco de dois números apenas, a dupla Stan Lee e Jack Kirby introduziu, no Universo Marvel, dois personagens novos: T’Challa, o monarca de Wakanda, mais conhecido como Pantera Negra e Ulysses Klaw, o vilão Garra Sônica. O Pantera Negra, ao longo das décadas, viria a tornar-se um interessantíssimo herói, com extremo desenvolvimento narrativo e um riquíssimo passado, ainda que muito raramente tenha tido um título próprio, sendo que o primeiro deles foi Jungle Action, a partir do número 5, em 1973. Klaw/Garra Sônica, por sua vez, entrou para o rol dos vilões que estão lá para apanhar que nem cão ladrão, sem nunca realmente alcançar o estrelato.
Nesse arco, o Pantera Negra manda um emissário de seu país natal, Wakanda, para Nova York para convidar o Quarteto Fantástico para uma grande caçada. Encantados com o convite, o Quarteto parte para lá acompanhados de Wyatt Wingfoot, companheiro de quarto de Johnny Storm em sua faculdade. Chegando em Wakanda, não demora nada para eles notarem que, enquanto o misterioso Pantera Negra é o caçador, eles são a caça, passando a lutar ferrenhamente por suas vidas.
Stan Lee não perde muito tempo com firulas e todo o #52 é uma grande luta, com o Pantera quase liquidando com o Sr. Fantástico e companhia com uma série de armadilhas feitas especificamente para cada um. Chega a ser injusta a luta proposta pelo monarca de Wakanda e a reviravolta só acontece com a interferência de Wingfoot, literalmente a carta fora do baralho que T’Challa não esperava. Cheio de longos monólogos explicativos de toda a ação que o Pantera faz, Lee conseguiu impregnar a narrativa de textos que são chatos de ler. O que salva mesmo é a arte de Jack Kirby que está em seu meio, desenhando seus fantásticos mundos tecnológicos como ninguém, além de nos apresentar um Pantera Negra com um belo e simples uniforme que é tão perfeito que, ao longo das décadas, ele pouco sofreu modificações.
No número seguinte, Quarteto Fantástico #53, descobrimos a verdadeira razão da caçada iniciada pelo Pantera. Ao longo de toda essa explicação, o Coisa brinca o tempo todo que não aguenta mais ouvir aquela esparrela toda e pede para T’Challa acelerar o passo. E isso é justamente o que o leitor sente. Toda a primeira metade da revista é tomada de uma longuíssima história de origem do Pantera, que quando criança, 10 anos antes, teve seu pai morto por um homem chamado Klaw que queria roubar todo o vibranium de Wakanda. Para quem não sabe, vibranium é um metal fictício do Universo Marvel que choque e ondas sonoras e que só existe em Wakanda. O escudo do Capitão América é feito de um liga com esse metal. Klaw não consegue o que quer graças ao então pequeno T’Challa, mas, no processo, T’Chaka, seu pai, é assassinado e Klaw perde o uso da mão direita. Agora, 10 anos depois, o Pantera Negra usou o Quarteto Fantástico como uma espécie de cereja no bolo de seu treinamento para derrotar Klaw.
E lógico, o vilão aparece novamente justamente no dia em que o Quarteto e Wingfoot estão em Wakanda, literalmente no meio de uma frase do Pantera, em uma daquelas irritantes coincidências de revirar os olhos. Mais uma vez, Stan Lee mostrar sua inabilidade em criar uma narrativa com algum tipo de bom senso ou mínima lógica interna. A segunda metade da edição é dedicada, então, à luta contra os animais vermelhos de “som sólido” criados por Klaw. O mero conceito de Lee em criar animais de som sólido é algo desesperante de ruim. Afinal, se Klaw tem uma máquina que pode criar qualquer coisa de som sólido, porque ele mandaria um elefante contra Wakanda? Porque não, no mínimo, criar uma horda de T-Rex para destruir o local? Mas eu divago…
A grande ameaça do Pantera Negra, lógico, é derrotada muito facilmente. Bem ao final, dentro de seu laboratório destruído, nós o vemos entrar na máquia de som que criou, sinal de que ele voltaria de alguma maneria.
E essa volta acontece três números depois, em Quarteto Fantástico #56. Dessa vez, Klaw, completamente “remodelado” como um ser de som sólido puro com um canhão de som no lugar de sua mão perdida, ataca o edifício Baxter em Nova Iorque, para forçar o Quarteto a convocar o Pantera. Ele, agora, é o Garra Sônica.
O que chama a atenção logo de início é a deslumbrante arte de Jack Kirby, novamente usando toda a sua habilidade para criar deslumbrantes desenhos da tecnologia à disposição de Reed Richards. Logo na terceira páginas temos um belíssimo quadro com Reed diminuto, embaixo, olhando por uma enorme tela, uma criatura do subespaço. É, literalmente, algo do outro mundo. Apesar de o design do Garra Sônica ser, por si só muito estranho, meio robótico, meio humano, com uma combinação de cores de gosto duvidoso, de alguma maneira ele acaba combinando muito bem com a ação que vemos a partir de sua entrada.
As lutas funcionam bem, ainda que, mais uma vez, a necessidade quase patológica de Stan Lee de explicar o que estamos vendo estrague muito o visual. Mas Kirby tenta compensar com bons momentos com o Coisa fazendo o que ele faz de melhor e Richard, com sua genialidade, derrubando o vilão.
Todos os três números comentados aqui mostra muito claramente o poder da arte de Jack Kirby mesmo depois de todas as essas décadas. Ao mesmo tempo, fica dolorosamente claro o quanto Stan Lee tinha grandes limitações em seus roteiros simplistas e altamente explicativos. Certo está o Coisa em pedir mais objetividade e menos enrolação…
Quarteto Fantástico #52, 53 e 56 (The Fantastic Four #52, 53 and 56, EUA – 1966)
Roteiro: Stan Lee
Arte: Jack Kirby
Arte-final: Joe Sinnot
Letras: Sammy Rosen (#52) Artie Simek
Editora (original): Marvel Comics (julho, agosto e novembro de 1966)
Páginas: 23 (cada número)