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Crítica | Quanto Mais Quente Melhor

por Rafael Lima
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Embora tenha trabalhado com diversos gêneros ao longo de sua filmografia, como o drama de guerra, o drama de tribunal, e o thriller Noir, o subgênero mais visitado por Billy Wilder foi mesmo a comédia romântica. Tal tipo de filme é geralmente visto com desdém nos dias de hoje, mas as comédias românticas escritas por Wilder possuíam um caráter altamente provocativo para a época, o que já se percebia desde roteiros que escrevia para o seu mentor Ernst Lubitsch, como Ninotchika (1939). Na direção, Wilder manteve essa característica, em filmes como A Incrível Suzana (1942), Sabrina (1954), O Pecado Mora ao Lado (1955), entre outros. Mas nenhum soou tão provocativo como Quanto mais Quente Melhor (1959).

O roteiro escrito por Wilder, juntamente com seu parceiro habitual I.A.L Diamond, baseado na comédia alemã Fanfaren der Liebes (1951) situa a trama em 1929, no auge da Lei Seca. Após uma sequência inicial que estabelece de maneira criativa o período histórico onde a trama se passa, somos apresentados aos nossos protagonistas, Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon) dois músicos azarados de Chicago. Após o bar onde trabalhavam ser fechado pela polícia, a dupla acidentalmente testemunha um massacre cometido pela máfia (inspirado no verdadeiro Massacre do Dia dos Namorados, ocorrido em 1929) sendo obrigados a fugir da cidade para não se tornarem vítimas dos criminosos. Eles se disfarçam de mulher e, usando os nomes Josephine e Daphne, entram para uma banda feminina que está indo fazer uma temporada de shows em um hotel de Miami. Tentando permanecer incógnitos, a dupla tenta evitar o assédio de outros homens, e a tentação de suas colegas de banda, mas Joe acaba se apaixonando por Sugar Kane, (Marilyn Monroe) a garota mais rebelde da banda.

Presente em muitas listas de melhores comédias de todos os tempos, Quanto Mais Quente Melhor traz em seu 1º ato, em Chicago, o desemprego dos protagonistas como metáfora da Grande Depressão de 1929, ao mesmo tempo em que faz piada com a máfia e com a Lei Seca, mas sem satirizar em excesso os temas mais pesados em torno deste assunto, como a violência e o alcoolismo. Mesmo que traga momentos consideravelmente sombrios para uma comédia, os trechos em Chicago ainda são divertidos e estabelecem a dinâmica entre os dois protagonistas.

Mas é quando assumem as personas de Josephine e Daphne (depois de Jerry rejeitar o nome Geraldine) e embarcam no trem da banda feminina é que o filme de Wilder chega aonde lhe interessa. Através de diálogos extremamente espirituosos e irônicos, e as inusitadas e hilárias situações que os personagens de Curtis e Lemmon se envolvem, o texto aborda o materialismo nas relações amorosas, confusão de identidade sexual e tentação, representada principalmente pela personagem da mítica Marilyn Monroe.

Em certo ponto a dupla se divide, e enquanto vemos Joe adotar um segundo disfarce para tentar conquistar Sugar (o milionário Junior), “Daphne” se vê as voltas com Osgood Fielding (Joe. E. Brown) um milionário genuíno que cai de amores pela “garota”. A relação do segundo casal geram alguns dos momentos mais engraçados do filme, com destaque para a brilhante sequência em que Osgood e Daphne dançam o tango La Cumparsita, e o subsequente diálogo que Jerry tem com Joe na manhã seguinte.

Além de um roteiro inteligente e sagaz, Wilder brilha na direção, que através de uma decupagem sutil, valoriza e potencializa as gags, trabalhando habilmente dentro e fora de quadro para explorar a comicidade das situações. Ele é auxiliado pela eficiente montagem de Arthur P. Schmidt, outro parceiro de longa data, que trabalha com maestria as ações paralelas sem perda de timing. Ainda nos aspectos técnicos, vale destacar a fotografia de Charles Lang, que marca muito bem os diferentes momentos da narrativa, o que se percebe principalmente quando a trama deixa Chicago e vai para Miami, e volta a se fazer notar no 3º ato, quando a vida dos protagonistas é mais uma vez posta em risco.

O elenco é fantástico. É simplesmente uma delícia assistir ao desempenho de Jack Lemmon como Jerry/Daphne, que arranca risadas do público a cada virada que seu personagem sofre na trama. Já que a certa altura, Jerry parece começar a ser absorvido por seu disfarce. Tony Curtis também faz um ótimo trabalho no papel triplo de Joe/Josephine/Junior, vivendo o típico malandro de lábia infalível, circulando bem entre as três personas que o papel lhe oferece. E claro, temos Marilyn Monroe, vivendo uma de suas personagens mais célebres.

Monroe e Wilder haviam trabalhado muito bem juntos em O Pecado Mora ao Lado, mas a experiência em Quanto Mais Quente Melhor não foi tão tranquila. Vivendo um momento complicado em sua vida pessoal, a estrela vivia chegando atrasada (quando não faltava) e às vezes levava mais de 50 takes para proferir salas simples como “Where is The Bourbon” ou “It’s Me, Sugar”, o que causou desentendimento com os outros dois protagonistas. Felizmente, não se percebe nada disso no filme, e a atriz está excelente em cena. A própria Marilyn, posteriormente, apontaria Sugar somente como “mais uma loira burra” de sua carreira, o que tem certo embasamento, mas pessoalmente percebo a personagem como uma versão mais humanizada e autoconsciente do tipo que Monroe tornou célebre.

Quanto Mais Quente Melhor faz jus ao título de uma das melhores comédias da história do cinema. O roteiro extremamente inteligente e à frente de seu tempo toca com humor e sagacidade temas absolutamente indizíveis para a época como a homossexualidade e o transformismo, em um filme hilário e encantador, com um trio de atores altamente entrosados (apesar dos bastidores turbulentos). Uma verdadeira joia da era de ouro de Hollywood.

Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot)- Estados Unidos, 1959
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, I.A.L Diamond.
Elenco: Marilyn Monroe, Tony Curtis, Jack Lemmon, George Raft, Pat O,Brien, Joe E. Brown, Nehemiah Persoff, Joan Shawlee, Billy Gray, George E. Stone, Dave Barry, Mike Mazurki, Grace Lee, Whitney, Paul Frees, Tom Kennedy.
Duração: 121 min.

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