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Crítica | Quando o Carnaval Chegar

Chico, Nara e Bethânia em um formato de chanchada que não se encontra.

por César Barzine
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Nara Leão, Chico Buarque e Maria Bethânia; esses três nomes impõem respeito ao se encontrarem juntos nos mesmos créditos. Pena que não trata-se, aqui, de uma obra musical. Os créditos são referentes a Quando o Carnaval Chegar — o filme, não a música do Chico. A obra cinematográfica, infelizmente, é apenas subproduto desses artistas musicais. Em seguida, ainda nesses créditos, aparecem outros três nomes de peso: Cacá Diegues, Dib Lufti e Eduardo Escorel. Agora, sim, estamos falando de puro cinema. O problema é que toda essa pureza, apesar da rica conjunção de artistas, resulta apenas em um trabalho destrambelhado incapaz de fazer jus tanto com a equipe vinda da música quanto a vinda do cinema.

A primeira impressão (ou pré-julgamento) que podemos ter é que trata-se apenas de um daqueles caça-níqueis que colocam alguma estrela musical no auge para protagonizar uma história qualquer e, assim, fabricar um filme comercial até a veia em que os produtores tomam proveito do sucesso daquele artista e o mesmo tira proveito disto como autopromoção — o caso dos filmes do Roberto Carlos dirigidos por Roberto Farias naquela época. Mas os músicos-protagonistas desta obra não precisam disso, e Cacá Diegues era um cineasta autoral recém-saído do Cinema Novo. De fato, Quando o Carnaval Chegar reflete a postura autoral de seu diretor, e isso se dá por um curioso paradoxo: se distanciando do já finado movimento de Glauber Rocha e se aproximando do cinema comercial brasileiro dos anos 50 — aquele mesmo que os membros do Cinema Novo buscavam superar.

Quando o Carnaval Chegar acaba sendo autoral por ser uma chanchada fora do escopo das chanchadas — segundo o crítico Alberto Silva, em um texto do jornal Correio da Manhã durante o seu lançamento, é uma “neochanchada“. Por se enquadrar fora dos eixos, o que é primitivo torna-se conceitual, e o comercial soa como algo alternativo. O argumento do longa escancara a grande pretensão de não se levar a sério: um empresário de um grupo musical precisa levá-los a uma apresentação para um rei. Até lá, é claro, muitas confusões. A chanchada não está aqui de modo genuíno, a diferença para as autênticas obras deste gênero é bem clara. O inocente vem acompanhado de inúmeras complicações, e a anarquia da obra vai muito além do simples e ligeiro dinamismo das produções da Atlântida. A chanchada acaba sendo algo meio gourmet, ponte para o experimentalismo e que, talvez, acabe sendo mais uma referência relativamente distante do que um espírito plenamente encarnado.

As interpretações dos medalhões da MPB exprimem que eles não são da área, mas também não fazem feio. A inexperiência está perfeitamente condizente com o tom tosco do filme. Nara mantém-se mais contida na expressão e na presença, não aparece tanto quanto os outros e demonstra estar um pouco tímida. Do outro lado, Bethânia está espirituosa e com uma performance mais enfática. Por fim, Chico Buarque trabalha como um meio-termo, nem tão expressivo e nem tão tímido. Em relação a eles, o que importa mesmo é a música. Há canções já existentes e inéditas, marchinhas e mais refinadas, agitadas e suaves. Há também algumas cantadas pelos próprios atores como números musicais e outras não-diegéticas. Apesar de serem boas acompanhantes, são poucas as que realmente dão alma às cenas e tiram o filme do marasmo. A principal delas, sem dúvida, é a belíssima canção-título na voz de Chico Buarque. Merece menção também a faixa Partido Alto, composta por Chico, porém, aqui apresentada pelo grupo MPB4.

Dib Lutfi e Eduardo Escorel (apontados no início do texto) são, respectivamente, um dos maiores diretores de fotografia e de montagem do cinema brasileiro. A fotografia de nada atrai; pelo contrário, é até um tanto rudimentar. Um tratamento lúdico das cores, que num filme carnavalesco como este seria bastante convidativo, é simplesmente ignorado em prol de uma estética apática. Enquanto isso, Escorel cumpre o seu papel em um trabalho cujo domínio do ritmo é fundamental; a agitação deve se fazer presente não apenas pela velocidade, como também pela energia transmitida em momentos diversos e na sintaxe entre eles. Quanto à decupagem, há duas cenas em que ela causa brilho nos olhos e merecem destaque. A primeira é a exposição urbana (ao som da já citada Partido Alto) em vários travellings fragmentados do Rio de Janeiro. A segunda é a parte da Maria Bethânia cantando Baioque, especialmente quando ela se junta a outros três homens e a câmera na mão captura aquilo com muita desenvoltura ao som do baixo e da guitarra eletrizante.

Cacá Diegues demonstra mais uma vez a sua versatilidade, assim como a capacidade de criar uma conexão com o grande público caraterística notável de seu conjunto da obra ao salientarmos o histórico vanguardista do cineasta alagoano. Este filme é um exemplar de certo ponto do cinema nacional em que ele já não tinha mais medo de flertar com o popularesco, partindo de um processo autoconsciente de anarquia. Um panorama inaugurado pelo Cinema Marginal e por Macunaíma e que se estendeu por um tempo considerável. Este fator, junto com a presença de fortes nomes de nossa música, faz lembrar outro filme esquecido: Uma Nega Chamada Tereza, com Jorge Ben Jor, lançado no ano seguinte. Ainda mais enérgico, atingindo o experimentalismo de fato, o longa compartilha mais uma característica com o de Cacá: a inexpressividade como cinema por trás da atração pela música.

Quando o Carnaval Chegar (Brasil, 1972)
Direção: Cacá Diegues
Roteiro: Cacá Diegues, Hugo Carvana, Chico Buarque
Elenco: Chico Buarque, Nara Leão, Maria Bethânia, Hugo Carvana, Antonio Pitanga, Ana Maria Magalhães, José Lewgoy, Elke Maravilha, Wilson Grey, Luiz Alves, Odete Lara, Vera Manhães, Scarlet Moon, Joaquim Mota, Zeni Pereira
Duração: 100 minutos.

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