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Crítica | Quando Eu Era Vivo

por Leonardo Campos
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Um atrativo exemplar da safra de filmes de terror lançados no Brasil nas duas últimas décadas, Quando Eu Era Vivo mescla uma série de temas para versar sobre algo comum na obra de Marco Dutra: as inseguranças de determinadas pessoas da classe média brasileira, aparentemente em momentos de derrocada, preocupada com o desemprego e a oferta de trabalho precarizado, situações explicadas pelo viés sobrenatural. algo a se confirmar no desenvolvimento do filme que nos coloca diante de outra parceria do cineasta com Juliana Rojas, aqui, na posição de editora. O roteiro, escrito juntamente com Gabriela Amaral Almeida, inspirado no livro A Arte de Produzir Efeito sem Causa, de Lourenço Mutarelli, aposta numa atmosfera ominosa, construída com tom bastante sombrio, ao longo dos breves 85 minutos desta narrativa amena, mas com sensação de horror latente ao passo que alguns acontecimentos promovem o avanço da história e nos levam para um território sobrenatural assustador, envolvendo reminiscências de um passado conectado ao macabro, exposto, dentre tantas passagens, nalguns trechos de imagem granulada, extraída de um arquivo de fitas VHS, como o  ritual envolvendo cabeças de gesso.

No filme, contemplamos a jornada de Júnior (Marat Descartes), um homem branco, hétero, na casa dos 30 anos, desempregado e divorciado, acossado pelos problemas, e, por isso, em retorno para a casa de seu pai, personagem interpretado pelo veterano Antonio Fagundes, figura que parece viver a vida de maneira menos tensa que o seu filho. A ideia é que Júnior fique apenas um breve período, numa passagem ligeira pela casa, mas as coisas perdem um pouco o rumo. Assim, o jovem homem se perde por um espiral de obsessões. Ele sente que a casa onde viveu momentos intensos na infância e juventude está com uma atmosfera diferenciada, um tanto estranha. Ao remoer o que é diacrônico, ele acaba espalhando estilhaços para si, trazendo à tona lembranças que deveriam se manter devidamente guardadas, para a eternidade. Numa confusão de situações que ele sequer consegue compreender ser realidade ou delírio, o protagonista afunda no clima tenebroso da casa, nos fazendo viver uma experiência de espectador aterrorizante, num tom alegórico que abusa de clichês, mas não se mantém preso a isso.

As coisas ficam ainda mais misteriosas com a presença da inquilina de seu pai, Bruna (Sandy Leah), jovem que desperta alguma curiosidade e canta divinamente, tal como a cantora que interpreta a personagem. Ademais, por falar em voz, não podemos deixar de considerar o assertivo trabalho de Guilherme e Gustavo Garbato na excelente composição da trilha sonora, setor que junto ao design de som, cumpre qualificadamente as suas funções. Com direção de fotografia também excepcional, comandada por Ivo Lopes Araújo, temos espaços inicialmente bastante iluminados, modificados ao passo que o clima de incerteza se torna um ambiente de convicções da presença de algo sobrenatural e denso, com luzes mais baixas, sombras, dentre outros recursos imagéticos realizados para fincar a atmosfera de terror necessária e transformar o filme num espetáculo sobre um homem em ruínas, com tensões não resolvidas em seu passado.

Importante: em Quando Eu Era Vivo, lançado em 2013, a memória é algo a ser evitado, pois nos remete ao perigo. Assim que o pai interpretado por Antonio Fagundes delineia em um de seus diálogos, ao flertar com o interesse do filho por objetos do passado. Ele diz que não é bom ficar preso aos itens que os levará para lembranças que devem ser sublimadas. Ao passo que as revelações vão sendo estabelecidas na história, sabemos que a falecida matriarca tinha tendências ocultistas, posicionamento que encontra desdobramentos no tempo presente da narrativa, cheia de trechos com os elementos visuais típicos dos filmes de terror, tais como um brinquedo assustador captado em primeiro plano, velas, cantigas aparentemente doces, mas tenebrosas, partituras musicais, cartas e desenhos deixadas pela mãe, além de mensagens cifradas para a nossa interpretação, dentre outros objetos funestos da excelente direção de arte assinada por Luana Demange, parte da equipe idealizadora deste bom exemplar do terror como gênero em constante desenvolvimento no esquema brasileiro de produção cinematográfica.

Quando Eu Era Vivo — Brasil, 2013
Direção: Marco Dutra
Roteiro: Marco Dutra, Gabriela Amaral Almeida
Elenco: Antônio Fagundes, Marat Descartes, Sandy Leah
Duração: 85 min

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