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Crítica | Quando Desceram as Trevas

por Guilherme Rodrigues
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Uma ironia fina permeia a narrativa de Quando Desceram as Trevas, devido à posição inicial de seu protagonista, Stephen Neale (Ray Milland), que é a de uma pessoa cuja percepção do mundo pode ser questionada, já que ele abre a produção saindo de um sanatório. Mas apesar disso, Neale é a figura mais “normal” que se encontra em boa parte do filme, e o mundo ao seu redor que parece estar fora do eixo, não somente por conta da guerra que afeta o mundo, mas também por conta das pessoas que ele encontra em seu caminho, todas agindo de modo um tanto peculiar.

O que seria um retorno para sanidade se torna uma tortuosa investigação que Neale, a priori, nem sabia que estava se metendo. O longa de Fritz Lang acompanha o protagonista que se descobre em uma trama sombria, mas cujo início é o mais auspicioso possível: uma feira de arrecadação de fundos para organização “Mães das Nações Livres”, crianças brincam de pique esconde e as barracas de prendas estão a toda corda. Mas há uma normalidade excessiva na situação, com todos sendo agradáveis demais, solícitos demais.  Um encontro com uma mística muda a noite do protagonista, que o informa a solução exata para uma das prendas da noite, que é adivinhar o peso de um bolo. Sem saber, Neale acaba interferindo com os planos de figuras sombrias, que irão caçá-lo incessantemente.

A aura de normalidade se volta contra o protagonista no momento que ele coloca as mãos no bolo, com todos no local se virando contra ele, e a paranoia se instala no espectador, mesmo que para Neale ele simplesmente acha estranho. Para o espectador, é sinal de que há uma segunda face para todos que vão passar pela trama, nem mesmo o cego inocente que compartilha o trem com Neale pode ser confiado, e logo revela ser mais um agente em busca do inusitado macguffin, o bolo.

É nesses contrastes entre uma superfície inocente mas interior sombrio, luz e escuridão, que Quando Desceram as Trevas opera, a começar pela própria fachada do evento que inicia a trama, um evento para ajudar uma ONG, mas que esconde uma conspiração que pode afetar os rumos da guerra. Lang banha esse mundo dúbio com luz e sombras, um bombardeio evoca os cenários contorcidos do cinema expressionista.

Até os elementos da história se encaixam nessas posições contrastantes, já que conforme a trama revela ter repercussões maiores, os dispositivos que revelam isso vão ficando cada vez menores, mas também aumentando em importância, de um bolo, para uma arma, de uma arma, para um microfilme, objeto este que também trabalha com a dualidade luz/sombra, afinal, para assisti-lo, é necessário um equilíbrio dos dois.

Quando Desceram as Trevas pode não ser tão lembrado quanto outros trabalhos do famoso diretor de Metrópolis, especialmente por ser tratar de uma história muito comum aos filmes da época, como O Estranho, de Orson Welles, que similarmente contava história de uma infiltração nazista, foi lançado dois anos depois, e Confissões de um Espião Nazista, de Anatole Litvak, quatro anos antes, todos parte do esforço de Hollywood em combater o nazismo usando o audiovisual. Um esforço nobre elevado pelo olhar do experiente diretor.

Quando Desceram as Trevas (Ministry of Fear) — EUA, 1944
Direção: Fritz Lang
Roteiro: Seton L. Miller, Graham Greene (livro)
Elenco: Ray Milland, Marjorie Reynolds, Carl Esmond, Hillary Brooke, Percy Waram, Dan Duryea, Alan Napier
Duração: 87 minutos

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