Quem conhece o cinema do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky não vai se espantar tanto com o fato de que ele criou uma técnica terapêutica chamada psicomagia, onde procura tocar corpo e mente do indivíduo através de ações, de atos que mesclam poesia e vivências, a fim de trazer a cura para um trauma, para um estágio emocional e possivelmente para doenças graves. Entramos aqui em um território curioso, especulativo, verdadeiramente mágico. Em sua teoria, o diretor procura incentivar a mente para que cruze a ponte entre realidade e sonho, fazendo com que os consultantes vivam metaforicamente os seus traumas (geradores de infelicidade) e insiram em suas vidas algo novo, algo que jamais fizeram, afim de completarem a libertação e chegarem a um estágio imediato de positividade, sendo os efeitos benéficos do ato reforçados dali em diante.
As ações do indivíduo unidas a elementos do mundo onírico, à poesia e aos tópicos da psicanálise não são coisas alheias à obra do diretor. De A Gravata (1957) até Poesia Sem Fim (2016), vemos como ele trabalhou isso eu seus roteiros, e não é à toa que muitas cenas de seus longas apareçam aqui em Psicomagia, ilustrando metaforicamente os problemas de cada um dos consultantes que vemos receber atos libertadores, orientados ou mesmo realizados pelo diretor em conjunto com a pessoa.
O conceito trabalhado é realmente interessante, especialmente vindo de quem vem. Agir, em vez de falar (já na introdução do documentário o diretor contrasta a “cura pelas ações” na psicomagia em oposição à “cura pelas palavras” na psicanálise) é a ordem aqui, e cada ator social que ele encontra possui um problema de caráter diferente, recebendo então um “tratamento” que se divide em duas partes: a identificação e enfrentamento do trauma; e a ação que irá permitir a expansão da mente através de algum ato, permitindo ao indivíduo viver uma novidade, olhar o mundo de forma distinta e chegar a um ponto de felicidade. Como conceito, é um exercício teatral e assumidamente mágico que encanta pela criatividade e ao mesmo tempo pela estranheza e coerência psicanalítica (na seara simbólica) com que é imaginado.
Nesse sentido de apresentar o tema, em diversas nuances, Psicomagia: A Arte Que Cura é um filme marcante. Já o mesmo não podemos falar da forma como esse conteúdo nos é apresentado, exibindo intertítulos simples (podemos até chamar de atos, para seguir uma nomenclatura própria da terapia) demarcando um novo problema, seguido das ações desses consultantes para resolvê-los. Aqui e ali a montagem intercala uma fala do diretor sobre o que é a psicomagia, e além de cenas de arquivos mais antigas, com Jodorowsky guiando alguns atos (algo que parece meio solto na obra), temos cenas simbólicas de Fando & Lis, El Topo, A Montanha Sagrada, Tusk, A Dança da Realidade e Poesia Sem Fim (esses últimos muitíssimo influenciados pelo ideal psicomágico) reforçando o tratamento que começará em seguida.
Embora pobre na forma e, para alguns espectadores, cheio de estranhezas inconciliáveis, Psychomagic: A Healing Art é um peculiar filme sobre uma técnica para resolver toda sorte de problemas, e que nos deixa pensando sobre alternativas para terapias e enfrentamento de traumas. Uma ideia e uma base de ações que conversam com a vida e a interessantíssima produção artística de seu criador.
Psicomagia: A Arte Que Cura (Psychomagic: A Healing Art) — França, 2019
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky
Elenco: Alejandro Jodorowsky
Duração: 100 min.