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Crítica | Pronto (Raylan Givens #1), de Elmore Leonard

A primeira aparição de Raylan Givens.

por Ritter Fan
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Elmore Leonard começou sua carreira de escritor em 1953 com o faroeste Os Caçadores de Recompensas,  mas ele acabou angariando efetivo renome literário com seus romances policiais dos mais diversos tipos, dentre eles Mr. Majestyk (que ganhou adaptação cinematográfica homônima que foi batizada por aqui de Desafiando o Assassino), Ponche de Rum (que chegou aos cinemas como Jackie Brown), e Get Shorty (adaptado como filme – O Nome do Jogo no Brasil – e série de TV). Considerado um dos grandes escritores americanos modernos do gênero, talvez seu mais notório personagem – muito provavelmente em razão da série Justified – , é o delegado federal Raylan Givens que surgiu em Pronto, obra originalmente publicada em 1993.

No entanto, quem porventura já tiver assistido a série antes de mergulhar no romance, não encontrará em Pronto exatamente o mesmo personagem imortalizado no audiovisual por Timothy Olyphant. Claro que a infraestrutura de Givens está lá. Ele é um delegado federal que conta com seu indefectível chapéu de caubói, sua obstinação e sua capacidade de envergar a lei para capturar criminosos, mas sua habilidade com armas, sua ironia fina, seu sarcasmo e, mais ainda, sua eficiência, características fortemente presentes na série, não são elementos verificáveis em sua primeira aparição no mundo literário. Só que isso, de forma alguma, depõe contra o romance de Leonard que mantém suas características literárias clássicas, especialmente sua quase científica economia de palavras e sua habilidade de criar diálogos memoráveis para seus personagens.

Até mesmo a história é “estranha” para os que conhecem o Raylan Givens da série, pois, apesar de começar em Miami, ela rapidamente é deslocada para Rapallo, na Região da Ligúria, ao norte da Itália, algo que parece não “combinar” com o minerador de carvão transformado em delegado que retorna à sua cidade natal como penitência por matar um mafioso. Mas, como disse, o romance, como tal, funciona muito bem, até porque Givens é apenas um de quatro personagens que essencialmente dividem o protagonismo da história, com os outros três sendo (1) Harry Arno, um agenciador de apostas já com certa idade que passou anos roubando do chefe da máfia local e que, depois de uma armação do Departamento de Justiça para forçá-lo a denunciar o esquema de apostas, foge para a mencionada cidade italiana, escondendo-se em uma vila fortificada; (2) Joyce Patton, namorada bem mais jovem de Arno que já fora dançarina exótica; e (3) Tomasino Bitonti, ou Tommy Bucks, ou Zip, assassino da máfia de Detroit que, desejoso por tomar o lugar de Harry na hierarquia, vai atrás dele para matá-lo.

O que Leonard faz, em Pronto, é um jogo de estratégia literária que é bem sucedido em apresentar organicamente todos os personagens e em fazê-los aproximar-se um do outro no que eu poderia chamar de círculos concêntricos que vão se fechando na medida em que a narrativa progride, mas sem que eles realmente se toquem antes do momento climático. Isso abre espaço para que o leitor conheça Harry, Joyce, Zip e Raylan de forma cadenciada, mas constante, com o delegado decidindo partir por conta própria atrás de Harry não só por ele ter fugido sob sua vigilância, mas também para protegê-lo da máfia, com o deslocamento da ação para Rapallo funcionando como um momento de virada que joga Raylan em território desconhecido a que ele precisa se aclimatar.

É particularmente interessante como o autor caracteriza Harry Arno como um ladrão benigno nos crimes que comete (ok, ele mata uma pessoa, mas é outro bandido e, ainda por cima, em legítima defesa), mas, ao mesmo tempo, coloca-o como uma espécie de fã número um do poeta americano Ezra Pound que morou em Rapallo e apoiou o fascismo de Benito Mussolini e a política de Adolf Hitler, revelando-se antissemita. Segundo Arno, os dois teriam se conhecido muito brevemente quando foram encarcerados na cidade italiana, o que criou um gatilho nostálgico de “bons tempos” no agenciador de apostas, sem que ele, por seu turno, talvez tenha a exata consciência das crenças de Pound, o que mantém o personagem andando no fio da navalha em termos de caracterização e o leitor, por seu turno, sem saber se “tem permissão” para gostar dele.

O que não funciona muito bem é a forma como Leonard introduz novos personagens na Itália, especialmente Robert Gee, ex-legionário da Legião Estrangeira, que passa a ser o principal guarda-costas de Harry. Ele aparece tarde demais na narrativa e seu uso dentro da história é muito limitado e até mesmo conveniente demais, como se Leonard tivesse decidido usar um “personagem de uso único” para deixar evidente que sua obra é de apostas altas e que ninguém está seguro, algo que justamente em razão desse expediente, não funciona muito bem. Da mesma maneira, o autor é econômico em trabalhar ação tradicional, o que não é um problema em si – ainda que a tendência seja afastar muitos leitores modernos, acostumados com “romances blockbusters” -, sendo inclusive uma característica comum em seus trabalhos literários, mas, aqui, ele peca em deixar que a história crie uma barriga narrativa em que a quadra principal permanece um tanto quanto inerte por tempo demais.

Pronto é puro Elmore Leonard, porém, e a leitura, como de hábito, consegue ser ao mesmo tempo fácil e profunda, mas não exatamente complexa, gerando reflexões interessantes como é o caso da conexão “espiritual” de Arno com Pound ou a maneira como Givens faz o que acha que tem que fazer sem considerar a lei que jurou obedecer, mas sem aqueles atos de heroísmo e de violência à la Dirty Harry e outros policiais semelhantes. O sensacional Raylan Givens nasce aqui, em uma obra em que ele, ironicamente, não é o destaque principal e que nem mesmo tem todas as características que o tornariam famoso no audiovisual, mas que, mesmo assim, é perfeitamente reconhecível.

Pronto (Idem – EUA, 1993)
Autor: Elmore Leonard
Editora original: Delacorte Press
Data original de publicação: 1993
Editora no Brasil: Editora Rocco
Data de publicação no Brasil: 1996
Tradução: Sonia Coutinho
Páginas: 400

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