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Um diretor consolidado que teve sua carreira catapultada por um marco da ficção científica retorna décadas depois ao seu material original para dirigir um prelúdio que expande tremendamente a mitologia. Já vimos essa história antes, não? George Lucas tentou retornar à Star Wars e criou a tenebrosa Trilogia Prelúdio, e Ridley Scott, seguindo os mesmos passos, retornou à Alien, o Oitavo Passageiro para oferecer a sua visão megalômana de uma época anterior ao seu clássico. A diferença é que, no interregno, a franquia de Lucas deixou de ser explorada nos cinemas, enquanto que a de Scott, apesar de ter ganhado uma continuação tão espetacular quanto o original, sofreu demais com os fraquíssimos Alien 3 e Alien: A Ressurreição, além dos abomináveis AvPs. A outra diferença, claro, é que, cineasta por cineasta, Scott é muito superior a Lucas.
A ambição de Prometheus não demora a ser revelada, com uma premissa que eleva os Engenheiros – a denominação informal do povo representado por aquele ser gigante que a tripulação da Nostromo encontra morto e com o peito estourado no começo do longa de 1979 – a literais deuses que, dentre outras coisas, criaram os Homens na Terra. Ou pelo menos é isso que o casal de arqueólogos Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) teorizam a partir de diversos pictogramas e pinturas rupestres em diferentes locais do planeta e que usam para convencer Peter Weyland (Guy Pearce inexplicavelmente escalado para ficar o tempo todo com maquiagem pesada de idoso no lugar de contratar um ator idoso) a investir em uma trilionária missão de exploração espacial até a lua literalmente apontada nas descobertas. Considerando a abordagem normalmente fechada e, portanto, claustrofóbica dos filmes da franquia, uma pegada dessa magnitude até poderia ter o potencial de ser bem desenvolvida.
Infelizmente, porém, o roteiro inicial do então quase estreante Jon Spaihts recebeu uma injeção generosa e enlouquecida de devaneios ambiciosos de Damon Lindelof que estragou tudo o que Prometheus deveria ser. Para começo de conversa, se observarmos bem o filme, a estrutura básica do longa original é mantida quase que passo a passo, só que sem o horror espacial confinado que Scott soube construir tão bem. Há o androide David (Michael Fassbender) com missão semelhante à de Ash, que conta ainda com a presença da líder Meredith Vickers (Charlize Theron), filha de Weyland com sua própria agenda e uma série de outros personagens que, com exceção do piloto Janek (Idris Elba) não passam de cientistas despreparados, histéricos e, em última análise, inúteis à progressão narrativa, com uma heroína invencível que passa até mesmo por uma cesariana de 10 minutos e imediatamente parte para sair no tapa com alienígenas. E é impressionante – para não fizer frustrante – como essa estrutura repetida ganha enxertos que usam o imagético originalmente criado pelo perturbadoramente brilhante H.R. Giger para converter o único em genérico, o extraordinário em ordinário.
Ou quase genérico e quase ordinário, pois, como disse, Ridley Scott é, mesmo quando mete os pés pelas mãos, um bom diretor e ele pelo menos tem uma visão cinematográfica firme e certeira. Se ele se perde no mal uso de personagens e de seu elenco – Rapace faz uma versão baixinha e completamente histérica da Ellen Ripley de Sigourney Weaver e Fassbender é uma versão meramente fleumática e enigmática do vilanesco Ash de Ian Holm -, ele consegue entregar belíssimos visuais em razão da sempre cuidadosa direção de fotografia de Dariusz Woslki que, mesmo escorregando na assepsia hospitalar de diversas ambientações, inclusive aquelas que não poderiam ser assim como é o interior da estrutura gigantesca encontrada na lua LV-223. O problema é que a progressão narrativa é tão frenética, com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, que não há tempo para o espectador apreciar um pouco da arte de Woslki e tudo o que fica, quando os créditos começam a subir na tela, é a impressão de desperdício.
Sim, pois desperdício de premissa é a palavra de ordem. Afinal, não só o arco central na linha de Eram os Deuses Astronautas? não ganha desenvolvimento completo, como a conexão com os xenomorfos é no máximo tênue, com Scott preferindo falar de cobras espaciais, gravidez por esperma contaminado por gosma preta que leva ao nascimento de um filhote de Cthulhu e uns 10 segundos de, aí sim, um xenomorfo que, comicamente, não tem função narrativa alguma que não seja dizer aos fãs que sim, eles aparecerão em uma continuação, já que tudo o que Prometheus é não passa de um caríssimo tira-gosto. Afinal, no lugar de criar uma obra autocontida com uma ponta para a continuação como fez com o longa original, Prometheus é, todo ele, uma “ponta para continuações”, o que é, por natureza, um cacoete irritante da Hollywood atual e a que Scott, considerando sua carreira, não precisava recorrer.
Prometheus é, portanto, uma bagunça pretensiosa que nem desenvolve de verdade sua premissa, nem entrega algo que se relacione mais proximamente à franquia original. Como a versão de Ellen Ripley no quarto filme de sua saga, o primeiro prelúdio de Ridley Scott é um híbrido que é menos do que a soma de suas partes, uma visão ambiciosa que tenta se impor, mas que se perde na incapacidade de seguir um caminho único e na covardia em ou ser realmente diferente de tudo o que veio antes ou ser um mais do mesmo refrescante. Infelizmente, a franquia Alien ganhou mais um exemplar – desta vez por seu próprio “engenheiro” – que não precisava ter existido.
Prometheus (Idem, EUA/Reino Unido – 2012)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Jon Spaihts, Damon Lindelof (baseado em elementos criados por Dan O’Bannon e Ronald Shusett)
Elenco: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Idris Elba, Guy Pearce, Logan Marshall-Green, Sean Harris, Rafe Spall, Emun Elliott, Benedict Wong, Kate Dickie, Patrick Wilson, Ian Whyte, Daniel James
Duração: 124 min.