Ao final do excelente Livro 4 de Promethea, uma promessa perigosa foi feita para o leitor com o último encadeamento de Alan Moore para a personagem. Após a sua jornada de busca e iluminação, o retorno à Terra se deu como um acúmulo de consequências para o que rolou no mundo espiritual. Diversas esferas sociais e heroicas começaram a se movimentar, forçando Sofia a fugir para Millenium City, a cidade de Tom Strong, que até faz uma participação neste arco. A fuga, a perseguição e o que estava em jogo eram coisas que o leitor conseguia compreender, mesmo que não completamente. A justificativa para as ações eram pertinentes, a ação fazia sentido e o propósito estava mais ou menos claro, faltando apenas alguns detalhes para que tivéssemos um entendimento global de todas as variantes ligadas à fuga da protagonista e à ideia de “apocalipse” que então começava a se instalar. Ou seja, a base dos eventos era ótima, mas o que prometia era algo perigoso, pois seria difícil concluir tudo em um único arco. E de fato, foi.
Publicado entre 2003 e 2005, este último enredo de Promethea trata exclusivamente das mudanças causadas pela personagem após semear e levar adiante (ou seja, parir) o “apocalipse”. Para os padrões mágicos da série, é como se cada Promethea tivesse que impulsionar/gerar/dar à luz à inspiração para as novas Eras da humanidade. E essa preparação (ou, em alguns casos, o próprio início da “Nova Era”) é marcada por um fim das velhas concepções, propostas e cotidiano vencidos da sociedade. Todo mundo que vive naquele momento da História embarca (ou é forçado a embarcar) nos novos caminhos que levarão a existência humana para um outro patamar. O curioso é Alan Moore indicar que o que esta Promethea fez foi apenas semear algumas coisas que só serão verdadeiramente colhidas daqui a alguns séculos. Mas até a semeadura de percepções sociais que irão brotar aos poucos pode ser vista como um apocalipse (afinal, mudar é desconfortável!) e, como consequência, trazer novidades e cores que antes não existiam no mundo.
Aqui, o tempo não passa da forma como o concebemos “normalmente”, portanto, até a nomeação dos anos acaba tendo uma dimensão externa diferente. Em parte de seu discurso, Promethea diz que “a essa altura nós estamos vivos, mas já estamos mortos há muito tempo, você não se lembra?“. Essa onipresença à la Dr. Manhattan e o sentido dela para as mudanças propostas pela protagonista da série, em sua última missão, possuem um significado colossal. Nesse sentido, o Livro 5 da série é bastante coeso com a proposta que foi construída. Ocorre, porém, que a reflexão sugerida não é exibida e muito menos relacionada nas páginas, o que derruba consideravelmente a qualidade da história, tornando-a, inclusive, anticlimática. Já na primeira edição, eu fiquei me perguntando qual era o sentido por trás daquelas mudanças no tempo e no status de negação de Sofia, que não queria encarnar a heroína porque não queria acabar com o mundo. E essa confusão nunca recebeu um alento do roteiro. Moore continuou escrevendo uma criação de apocalipse sem colocar sentido geral à situação, levando-nos para uma penúltima edição com qualidade textual muitíssimo abaixo do esperado e uma última edição completamente dispensável e irritantemente didática e repetitiva.
A única coisa que se salva com todo louvor possível nas revistas finais do Livro 5, é a arte de J.H. Williams III. Talvez por achar a edição #32 textualmente ruim, porque é um simples “resumão” de tudo o que foi trabalhado antes, eu enjoei da proposta do artista com seu ambiente onírico, mas sem dúvidas trata-se de uma ideia visualmente impressionante e um trabalho de preparação e desenho em linhas finas que é de cair o queixo. Promethea termina de forma “ok“, bem longe da altíssima qualidade de seu início e desenvolvimento. Ainda assim, é uma jornada mística, mágica e sobrenatural pelos Universos de símbolos, signos, teorias, pensamentos, pessoas, divindades e demônios nas várias dimensões em torno da nossa. Não é uma série para todo mundo. Ela é bastante hermética e relativamente difícil de acompanhar, mas definitivamente se vale pela riqueza das ideias e da arte que nos traz. Seu estranho final não é capaz de apagar o brilho daquilo que teve de melhor, e daquilo que nos ajudou a construir no campo das ideias e dos sentimentos: um contato e uma reflexão para algo além da matéria.
Promethea – Livro 5 – Livro Final (Edições #26 a 32) – EUA, agosto de 2003 a abril de 2005
No Brasil (edição lida para esta crítica): Panini (2015 e 2017: volumes um e dois dos encadernados de Promethea)
Roteiro: Alan Moore
Arte: J.H. Williams III
Arte-final: Mick Gray, J.H. Williams III
Cores: Jeromy Cox, José Villarrubia
Letras: Todd Klein
Capas: J.H. Williams III, Jeromy Cox, Todd Klein, Mick Gray
Editoria: Scott Dunbier, Kristy Quinn
Tradução: Octávio Aragão
168 páginas