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Crítica | Promethea – Livro 1

Uma iniciação mágica.

por Luiz Santiago
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Promethea é talvez o título mais difícil de Alan Moore em sua linha editorial America’s Best Comics (ABC), criada em 1999 como um selo da Wildstorm, e posteriormente vendida para a DC Comics. Ao longo de 32 edições, o título explora a jornada de iniciação de uma das mulheres que vestiram o manto de Promethea, Sophie Bangs, numa Nova York retrofuturista de 1999. Aqui, Moore utiliza elementos do gênero de super-heróis como ponto de partida para reimaginar a figura da heroína, incorporando literatura, quadrinhos, mitologia, filosofia, magia e misticismo em uma trama que exige bastante do leitor. Os já iniciados nos estudos ou vocabulário mágico veem muito didatismo em Promethea, enquanto os que nada conhecem desse campo, acham a obra muito difícil. Quem está certo?

O ponto curioso é que esta série, se vista de maneira crua ou se isolarmos vários elementos de sua composição (e faremos isso apenas para critério de demonstração), veremos cada uma dessas “acusações” em evidência, porque é verdade que o conteúdo trabalhado em todos os capítulos formam uma jornada de iniciação. É a jovem Sophie Bangs passando por um processo de aprendizagem, adequação e provação dentro da magia. Numa interpretação relacionada, Sophie/Promethea é cada um de nós. E é claro que, para colocar tudo isso nas páginas dos quadrinhos, o recurso para a exposição de alguns elementos acabou sendo, na tal análise crua e isolada que citei antes, “didático“. Note que nenhum desses dois caminhos aqui mesclados torna Promethea uma obra ruim. Como qualquer outra obra de arte, tem gente que gosta, tem gente que não gosta e está tudo bem. Mas Alan Moore conseguiu fazer com excelência essa apresentação das dimensões além do mundo terreno para o leitor, mediante uma aventura disfarçada como “quadrinho de bonequinho”. E mesmo assim, não um “quadrinho de bonequinho” comum.

A relação literária e ‘quadrinística‘ de Promethea é explicitada pelo autor em um artigo introdutório, adicionando diversos elementos históricos (todos fictícios), que flertam com o desenvolvimento das personagens femininas ao longo das Eras de Ouro, Prata e Bronze. Ele nos indica que a primeira aparição dessa personagem se deu como uma das quatro criadas (ninfas) da Rainha Titânia, no poema épico Um Romance de Fadas (Charlton Sennett) e avança por outras publicações, que listo, a título de contexto, logo mais abaixo. Esse simulacro de autores e títulos é interessante, pois traz para a imaginação eventos e estilos de se administrar personagens na 9ª Arte da mesma forma como ocorreram em nossa realidade.

__ 1901 a 1920: Promethea chegava para o público numa série dominical do jornal New York Clarion, intitulada A Pequena Margie na Terra da Magia (Little Margie in Misty Magic Land), concebida por Margaret Taylor Case, que explorava a personagem como uma fada-princesa de cunho plácido, fantasioso e maternal.

__ 1924: Promethea era abordada como guerreira imbatível, em publicações literárias pulp (na revista Astonishing Stories) intituladas Uma Rainha Guerreira de Hy Brasil (Promethea, Warrior Queen of Hy Brasil), ilustrada por Grace Brannagh e escritas por “Marto Neptura”, pseudônimo de diversos roteiristas fantasmas (alguns misóginos e objetificadores) que assumiram a série ao longo do tempo.

__ 1941 e 1946: Promethea tornou-se protagonista da revista Smashing Comics (1941), e depois de sua revista com título próprio (1946). Nessas edições, passou por diversas fases, sendo retratada como “uma heroína científica” vivendo no mundo contemporâneo, por William Woolcott (até 1970) e como uma personagem lógica e gentil, em narrativas às vezes experimentais, pelo roteirista Steven Shelley (até 1996).

Esse interessante histórico nos faz ver como as “Prometheas do passado” tiveram suas vidas e mortes influenciadas pelos artistas que escreveram seus roteiros ou romances e desenharam suas histórias. No momento presente, vemos Sophie vestir o manto dessa personagem, que é uma Musa inspiradora, uma guardiã do mundo das artes e da imaginação e criatividade. Suas ações (ou falta a delas) são capazes de influenciar o nosso plano material, e esta é a linha dramática que Alan Moore explora no quadrinho, fazendo com que essa nova heroína se acostume com o manto, com os antagonistas, com as regras da magia, das várias sefirotes da Cabala que dominam momentos de sua jornada, dos vários naipes e cartas do tarô que regem as energias de sua aprendizagem e da própria concepção de magia entre reinos, seres e possibilidades que ela não faz ideia como administrar.

Através dos capítulos A Radiante Cidade Paradisíaca, O Julgamento de Salomão, Terra Mágica, Um Romance de Fadas, Terra de Ninguém e Princesa Guerreira de Hy Brasil, Moore desenvolve a caminhada de Sophie pela “Imatéria” e faz com que ela passe pelos dois estágios iniciais dos elementos: o de Copas (com a Promethea emotiva, no cenário da 1ª Guerra Mundial, representando a água) e o de Espadas (com a Promethea da razão, da palavra, no cenário das criações de “Marto Neptura”, representando o ar). Com a belíssima arte de J.H. Williams III e sua soberba diagramação de páginas, vemos o quanto a protagonista consegue avançar e também a quantidade de informações simbólicas, filosóficas e culturais que ela precisa abstrair em tão pouco tempo.

Promethea é um título que exige muito da nossa atenção e nos entrega muita coisa para pensar. Apesar de os capítulos 1 e 3 deste primeiro arco terem uma quantidade um pouco maior de obstáculos narrativos, o todo da história é bem azeitado e termina em alto estilo, com a chegada de diversos magos, com seus sigilos mágicos preparados para uma reunião que promete fazer a vida da atual encarnação de Promethea um pequeno inferno.

Promethea – Livro 1 (Edições #1 a 6) – EUA, agosto de 1999 a março de 2000
No Brasil: Pixel Media Magazine n° 4 – Pixel Media julho de 2007 / Promethea n° 1 – Pixel Media julho de 2008 / Promethea – Edição Definitiva n° 1 – Panini novembro de 2015
Roteiro: Alan Moore
Arte: J.H. Williams III, Charles Vess
Arte-final: Mick Gray, Charles Vess
Cores: Digital Chameleon, Wildstorm FX, Jeromy Cox, Nick Bell, Alex Sinclair
Letras: Todd Klein
Capas: Alex Ross, J.H. Williams III, Wildstorm FX, Mick Gray
Editoria: Scott Dunbier, Eric DeSantis
Tradução: Octávio Aragão
184 páginas

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