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Crítica | Profecia do Inferno – 2ª Temporada

Mistérios que sufocam o que realmente interessa.

por Ritter Fan
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  • spoilers.

A primeira temporada de Profecia do Inferno, lançada no já longínquo ano de 2021, foi uma grata surpresa na oferta de séries sul coreanas via streaming. Como monstros que levam humanos marcados para morrer para o inferno com uma quase cômica dose de pancadaria sendo usados como atrativo comercial, a obra de Yeon Sang-ho foi bem além da mera superfície inusitada e repleta de computação gráfica, criando um ótimo estudo sobre a necessidade humana de racionalizar eventos que não podem ser imediatamente explicados, resultando em crenças e religiões, além de uma abordagem fortemente crítica das religiões organizadas em si, com a criação da rica, limpa e grandiosa Nova Verdade de um lado e da frenética, caótica e anárquica Arrowhead do outro lado, como seitas em franca oposição fazendo de tudo para aumentar seus respectivos rebanhos.

Como eu mencionei em minha crítica do primeiro ano, até o epílogo em que vemos Park Jeong-ja (Kim Shin-rok), que teve sua punição televisionada para o mundo pela Nova Verdade, ressuscitar, mudando completamente o status quo da série, havia perfeitas condições para que a história se encerrasse com os mistérios das profecias e das enormes criaturas infernais que parecem demais com o Cara-de-Barro, inimigo do Batman, completamente no ar, mas deixando uma ponta de esperança pelo resgate da bebezinha que sobrevive à punição em razão do sacrifício de seus pais pela advogada Min Hye-jin (Kim Hyun-joo). Seria um final corajoso, completamente aberto, que rimaria muito bem com a crítica feita às religiões e a ânsia de oferecer explicações ao inexplicável. Infelizmente, porém, eis que veio o referido epílogo como uma obrigatória ponta para permitir continuação em caso de sucesso da série. E, três anos depois, aqui estamos.

Sem querer parecer aquela pequena e chatíssima moto da antiga animação Carangos e Motocas, mas já parecendo: “eu te disse, eu te disse, mas eu te disse…”. Como eu imaginava, continuar Profecia do Inferno era a receita para a história se perder e é exatamente isso que acontece na segunda temporada, em que o mistério da ressuscitação de Park Jeong-ja é empilhado nos anteriores, sem que seja oferecido sequer um semblante de efetiva explicação, com novos mistérios sendo adicionados até a revelação final de que o bebê que Min Hye-jin salvara não havia sobrevivido, mas sim efetivamente morrido e imediatamente ressuscitado. E eu vou reiterar o que eu disse antes: eu não quero, eu não preciso de explicações. Mas eu também não quero que uma série amontoe mistérios em cima de mistérios apenas na base do “porque sim”, pois esse é um artifício barato para atrair público.

Diferente da primeira temporada, a segunda lida com uma narrativa única ao longo de seus seis episódios, com apenas uma boa “brincadeira” com percepção de tempo no início que leva à ressuscitação do misterioso Jeong Jin-soo (Kim Sung-cheol entra na série para substituir Yoo Ah-in no mesmo papel), líder na Nova Verdade que “sumira” há anos, e que funciona como um dos elementos que levam à convergência das três organizações principais, as duas igrejas citadas e a Sodo, que funciona em oposição agnóstica às outras duas e que alberga Min Hye-jin – que, ao que tudo indica, foi altamente treinada como agente deles – e também Jae-hyeon, a bebezinha sobrevivente que, agora tem quatro anos de idade e é mantida em um confinamento confortável, mas se amor maternal ou paternal, algo que corrói Hye-jin por dentro. O salto temporal funciona bem para estabelecer tanto a onipresença e poder da Nova Verdade, quanto a ferrenha e cada vez maior oposição da Arrowhead e de seus seguidores de cara pintada, com a Sodo muito claramente tendo “evoluído” de sua em tese posição neutra para uma organização que não difere muito das outras duas no que se refere à tentativa de amealhar cada vez mais poder.

E é essa dinâmica que salva o segundo ano de Profecia do Inferno das profundezas da residência do Tinhoso, já que os mistérios em cima de mistérios só servem mesmo como isca para espectadores que só desejarem o lado simplista da série. No entanto, o que realmente cria o diferencial é a inserção de um quarto poder, o Estado Sul-Coreano representado pela maquiavélica secretária Lee (Moon So-ri) que começa a manobrar o Diácono Kim (Cha Si-won), da Nova Verdade, para beneficiar a estrutura governamental, semeando o caminho para o que poderia ser a criação de uma teocracia. A aproximação entre Estado e Igreja, como qualquer pessoa racional sabe muito bem, é um gigantesco perigo para liberdades individuais e é fascinante ver o começo de um processo assustador desses ser abordado na série, mesmo que, pelo menos a julgar pelo final apocalíptico em que várias “cabeças voadoras” sentenciam ao inferno dezenas de milhares de pessoas simultaneamente, esse não seja o caminho a ser seguido em uma vindoura terceira temporada.

O problema maior da temporada é que todo o lado das manobras políticas entre os “quatro jogadores” desse jogo insidioso de poder precisa disputar espaço com o lado da pura pancadaria, com a “novidade” sendo os seguidores da Arrowhead lutando contras os monstros para atrasar ou evitar as punições, o que leva a bem mais mortes do que só a da pessoa sentenciada. Além disso, há pancadaria constante também entre humanos, com Min Hye-jin sendo transformada em uma espécie de Sarah Connor do sobrenatural, o que acaba desvirtuando bastante a personagem que é, na prática, a única pessoa de moral ilibada na série. E, nessa disputa por espaço em uma temporada tão curta, todo mundo acaba perdendo, já que nada realmente anda e nada realmente é aprofundado como deveria, especialmente a instigante promiscuidade entre Estado e Igreja.

Em seu segundo ano, minha profecia de que Profecia do Inferno tenderia a banalizar-se acabou sendo infelizmente concretizada. Sem dúvida alguma que as críticas às organizações religiosas e, agora, ao Estado, são muito bem-vindas, mesmo que de maneira simplificada, mas uma série que era realmente especial tornou-se apenas mais uma das várias interessadas somente em inventar novas situações para perpetuar-se no ar, oferecendo retornos decrescentes ao investimento de tempo do espectador. Um inferno isso, viu?

Profecia do Inferno – 2ª Temporada (지옥/Hellbound – Coréia do Sul, 25 de outubro de 2024)
Criação: Yeon Sang-ho (baseado em webtoon de Yeon Sang-ho e Choi Gyu-Seok)
Direção: Yeon Sang-ho
Roteiro: Yeon Sang-ho, Choi Kyu-Seok
Elenco: Kim Hyun-joo, Kim Sung-cheol, Kim Shin-rok, Yang Ik-june, Lee Dong-hee, Lee Re, Lim Seong-jae, Jo Dong-in, Moon Geun-young, Hong Eui-joon, Moon So-ri, Cha Si-won
Duração: 291 min. (seis episódios)

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