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Crítica | Procurando Nemo

por Ritter Fan
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Uau.

Essa interjeição é a primeira palavra pronunciada em Procurando Nemo e por duas vezes seguidas. E ela exprime perfeitamente bem o sentimento de qualquer pessoa no momento em que começa a assistir esse que é o quinto longa-metragem da Pixar.  E tal deslumbramento do peixe-palhaço Marlin (voz de Albert Brooks no original) pela imensidão do Oceano Pacífico que vê da “janela” de sua anêmona permanece com o espectador até o final em uma sucessão de descobertas magníficas que essa animação proporciona incessantemente.

E o primeiro aspecto que chama atenção – e é a primordial razão para soltar “uais” várias vezes ao longo da projeção – é o uso profuso das cores. Sim, isso não é novidade nas obras da Pixar, bastando ver o multi-colorido mundo dos monstros em Monstros S.A. ou a vivacidade da paleta de cores dos brinquedos nos dois Toy Story ou a variedade na pigmentação dos insetos em Vida de Inseto, mas, em Procurando Nemo, a produtora vai alguns passos além, refestelando-se com o uso de um enorme conjunto de cores vivas ao reproduzir, em toda sua glória, um recife de corais na Grande Barreira de Corais, na Austrália. Cada ser submarino é brindado com luzes e reflexos de fazer inveja a qualquer animação, mesmo considerando-se os padrões atuais, passados tantos anos. É possível reparar até mesmo pequenas variações, como os dois tons de laranja usados para Marlin e sua esposa Coral (Elizabeth Perkins)que, em um prelúdio aterrador no estilo Bambi, serve de refeição, junto com todos menos um ovo da “ninhada”, a uma barracuda.

Mas essa estupefação causa pela invasão sensorial dessas cores todas ganha outro contornos logo em seguida, quando um corte temporal que faz uso do título da obra, nos apresenta a Nemo, um jovem peixe-palhaço com uma barbatana com “defeito” que é o único filho de Marlin (Alexander Gould)  e, como tal, ultra-protegido pelo pai. É seu primeiro dia de escola e sua excitação está no limite. No entanto, seu extremamente cauteloso pai mal consegue sair da anêmona em que reside, tamanha é sua paranoia justificada pelos eventos do prelúdio. Mas, quando eles finalmente saem, descobrimos que esses minutos iniciais são apenas tira-gosto para o que passamos a testemunhar em termos de uso de cor e de design de personagens. Cada habitante do coral ganha uma versão que é ao mesmo tempo fotorrealista e cartunesca, em uma fusão excepcional e que nos permite reconhecer cada peixe, cada tipo de coral sem muito esforço, mas, ao mesmo tempo, torna possível uma identificação próxima com cada um deles, incluindo personagens que pouco aparecem como o professor jamanta Sr. Ray.

Tenho plena consciência que o que mencionei até agora perfazem apenas os primeiros 10 ou 15 minutos de filme e servem apenas de trampolim para a verdadeira ação, que começa quando Nemo é “pescado” por um mergulhador quando ele se afasta demais do coral para desafiar seu pais super-protetor. No entanto, esses 10 ou 15 minutos encapsulam com maestria o que é Procurando Nemo: um filme sobre o valor da família sem ser maniqueísta, uma obra sobre as dores do crescimentos, sobre a amizade e sobre desafiar o desconhecido, tudo isso dentro de uma estrutura tecnicamente avassaladora que nos toma de assalto e nos mantém hipnotizados do começo ao fim.

Notem, por exemplo, como o roteiro feito a seis mãos por Andrew Stanton (que também co-dirigiu o filme com Lee Unkrich), Bob Peterson e David Reynolds é inteligente na introdução orgânica dos personagens e na sua construção com apenas algumas frases e relativamente pouco tempo de tela. Sim, o foco é em Marlin e sua companheira desmemoriada Dory (Ellen DeGeneris) de um lado e em Nemo no aquário do dentista que o pescou de outro, mas cada novo personagem ganha personalidade e história pregressa quase que instantaneamente graças a uma montagem inteligente por parte de David Ian Salter (que trabalhara em Toy Story 2) que cria dinamismo nas transições – é particularmente genial como ele faz as transições entre oceano e aquário e vice-versa – e que trabalha em cima de um roteiro condensado, repleto de citações à cultura pop em geral (“heeere’s Brucey“) e que é uma metralhadora de “apresentar e descartar” personagens inesquecíveis como o tubarão vegetariano Bruce (Barry Humphries), a tartaruga marinha surfista Crush (voz de Andrew Stanton, brincando – e bem – de dublador) e Gill (Willem Dafoe, em escolha perfeita), o veterano peixe de oceano preso em aquário como Nemo.

Há reciclagem de personagens, como Darla (LuLu Ebeling), a sobrinha “má” do dentista, que é uma versão de Sid, de Toy Story ou até mesmo as gaivotas – mine, mine, mine! – que lembram os marcianos de Toy Story 2 ou os gafanhotos de Vida de Inseto, mas todos ganham sua dose de atenção e de criatividade, separando-os muito claramente. Stanton e Unkrich fazem a fita funcionar como uma sinfonia, sem qualquer solução de continuidade, com uma lógica interna perfeita e um encadeamento de ideias raro de se ver. Nenhum dos vários personagens que vemos em sucessão parece forçado ou exagerado. Eles estão lá cumprindo cada um sua função e todas essas funções impulsionam a narrativa geral, por mais insignificante que determinado aspecto possa parecer quando ele é abordado da primeira vez.

Os trabalhos de voz merecem comentários a parte. Brooks como Marlin é o grande destaque, com uma mistura de exasperação e docilidade que  encanta desde o primeiro minuto. DeGeneres, por sua vez, é o alívio cômico da fita e seu personagem funciona fundamentalmente em razão de seu trabalho aqui, que faz uso de seu timing para piadas e de sua capacidade de acelerar e diminuir a velocidade das falas sem qualquer esforço perceptível. Mas Humphries como Bruce, Stanton como Crush e principalmente Dafoe como Gill também merecem aplausos, por imprimirem suas personalidades a seus personagens sem endurecê-los, sem torná-los meras versões aquáticas de suas personas live-action. O equilíbrio alcançado em todas as vozes é primoroso.

Procurando Nemo consegue educar – é uma aula de biologia marinha no mínimo, mas vai muito além, sendo uma verdadeira lição de vida – e emocionar na mesma medida, sem o espectador conseguir desviar seu olhar de cada passo das aventuras de Marlin e Nemo em mundos desconhecidos que os fazem crescer e amadurecer de maneira terna e inesquecível. Uma obra-prima que realmente pode ser resumida por um sonoro UAU!

XXXX

Em 2012, surfando na onda da conversão de clássicos modernos em 3D, Procurando Nemo ganhou mais uma dimensão. Minha posição sobre o 3D já é conhecida, mas, quem não conhece, pode ser aqui. De toda forma, se Hollywood mal sabe fazer 3D nativo, imagine quando a obra é uma mera conversão?

Procurando Nemo perde em 3D não pela estereoscopia em si – ela não é significativa aqui, mas também não prejudica a obra -, mas sim pela redução da luz causada pela tecnologia atual e pela incapacidade dos cinemas em regular a luminosidade dos projetores para compensar um pouco o problema. Com menos luz, as cores destacam-se menos, deslumbram menos. É um preço que pagaria para ver a obra nas telonas novamente, como aconteceu em seu relançamento, mas não justifica sua  existência. Nemo com menos cor não é Nemo, mas uma animação qualquer.

Procurando Nemo 3D (Finding Nemo 3D, Estados Unidos, 2003/original, 2012/3D)
Direção: Andrew Stanton, Lee Unkrich
Roteiro: Andrew Stanton, Bob Peterson, David Reynolds
Elenco: Albert Brooks, Ellen DeGeneres, Alexander Gould, Willem Dafoe, Brad Garrett, Allison Janney, Austin Pendleton, Stephen Root, Vicki Lewis, Joe Ranft, Geoffrey Rush, Andrew Stanton, Elizabeth Perkins, Nicholas Bird, Bob Peterson, Barry Humphries, Eric Bana, Bruce Spence
Duração: 100 min.

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