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Crítica | Problemas com a Natureza

por Michel Gutwilen
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Duas sequências muito didáticas resumem sobre o que se trata Problemas com Natureza. Na primeira, o protagonista fala, romanticamente, sobre como ele acha que seria a experiência de usar cogumelos pela primeira vez. Para ele, seria uma experiência de ver para além dos olhos, olhar para além do véu. Diversas cenas depois, ele experimenta e o máximo que acontece é que ele vomita. Este protagonista é o filósofo Edmund Burke, que parte junto com sua criada, Awak, para um estudo de campo em uma jornada até os Alpes franceses, na busca pela definição do que seria o “sublime”. 

Em diversos momentos do longa, Burke tenta exteriorizar possíveis explicações para esta palavra. “A escuridão e o terror levam ao sublime” e “o sublime é uma nova sensação” são algumas delas. Contudo, trata-se de uma progressiva frustração para Edmund, pois ele não enxerga nada de sublime na sua jornada. O problema não está na natureza, mas nele mesmo. É a partir do contraste das cenas que envolvem a criada, sozinha, que a tese do diretor Illum Jacobi se faz clara. Enquanto o filósofo se frustra por sua tentativa de enquadrar a natureza a partir de palavras — não à toa, o filme faz da exposição verbal uma recorrência propositalmente cansativa — Awak busca senti-la. Inclusive, tal recurso fica muito claro a partir de uma metáfora bem explícita: a criada se masturba deitada na terra, com uma mão sentindo a grama; já Burke está o tempo todo urinando e, em um certo momento, até precisa defecar. Neste sentido, vai ficando claro que cada vez mais a natureza vai se moldando a partir da ótica que se olha para ela. 

E por que Burke não consegue se conectar com a natureza? Existe ao longo da narrativa uma exposição muito clara no sentido de demonstrar que o protagonista não é uma pessoa muito boa, no mínimo alguém difícil de lidar. Ele é narcisista (se elogiando diante do espelho) e se acha superior à criada e aos camponeses. Em uma cena, sua criada diz que tem medo da natureza, por ser tão grande. Em oposição, ele diz que a humanidade deve dominá-la. Talvez seja essa a principal diferença entre os dois: enquanto uma aceita sua passividade, em um sentido muito mais mutualista, o outro encara a relação muito mais a partir de uma ótica colonizadora. Inclusive, o figurino e maquiagem são muito eficientes em deixar evidente a distância com que os dois estão da natureza. Se Awak usa um roupão branco no qual sua nudez (ou seja, seu desapego materialista) fica evidentemente marcado nas roupas, o burguês está sempre com uma pesada maquiagem branca na cara e com muitas roupas. 

Assim, vai ficando claro que o título desta obra na verdade é uma “pegadinha”, pode-se dizer assim. Afinal, não se trata dos Problemas da Natureza, mas dos problemas de Edward Burke. Evidentemente que o foco narrativo, diferentemente de Burke, não está exatamente na busca pelo sublime. Não é um filme sobre buscar o sublime imageticamente, e mais uma investigação dos motivos pelos quais um homem fracassou em entender a natureza. É claro que existem belíssimos planos pictóricos, mas os enquadramentos poéticos não são a última finalidade para Illum Jacobi. 

Inclusive, o plano final, que se congela, é uma exata imitação do quadro romântico Caminhante sobre o mar de névoa, de Caspar Friedrich. Contudo, o que precede este congelamento é que, ao chegar no topo da montanha, Burke urina e brada em voz alta “Desprezível!”. A esta altura, não se sabe mais se ele está falando de si mesmo ou da própria natureza, pois em sua busca obsessiva pela máxima conexão com a natureza, ele na verdade afastou a maior manifestação do sublime que estava diante dele o tempo todo: Awak, que durante todo o filme é vista como uma figura quase angelical e virginal. No fim, é quase como se houvesse uma ressignificação irônica deste famoso quadro que vai de encontro a tudo que foi feito na narrativa. Depois de apanhar tanto da natureza e perceber que ele não é nada diante dela, resta um resignada urina do ponto mais alto, uma última tentativa orgulhosa de demonstrar que é ele que manda, e não a natureza. Porém, não deixa de ser irônico que o longa acabe com um burguês tão educado e bom com as palavras recorrendo a um gesto tão primitivo. 

Problemas com a Natureza (The Trouble with Nature) — Dinamarca, França, 2020
Direção: Illum Jacobi
Roteiro: Hans Frederik, Jacobsen Illum Jacobi
Elenco: Antony Langdon, Nathalia Acevedo, Andrew Jeffers, Ian Burns, Ulrik Wivel
Duração: 95 mins.

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