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Crítica | Priscilla (2023)

Elvis, a prisão de Priscilla.

por Ritter Fan
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Elvis e Priscilla, duas cinebiografias que são lados de uma mesma moeda e que foram lançadas em anos consecutivos (com a série Agente Elvis no meio, mas essa é outra história), carregam as assinaturas de seus respectivos diretores. Baz Luhrmann entrega uma obra exuberante, efervescente e frenética sobre o Rei do Rock, enquanto Sofia Coppola empresta seu toque gentil, delicado e cuidadoso para a vida de Priscilla Beaulieu, a menina fascinada por um ídolo que se transforma em Priscilla Presley, a mulher aprisionada pela fama do marido e tudo o que ela traz de bom e de ruim. São obras que se complementam, mas que têm vida própria, com a de Luhrmann focando em Elvis e de certa forma esquecendo-se de Priscilla, enquanto a de Coppola tem seus holofotes mirados em Priscilla, mas em momento algum deixando Elvis para trás.

E essa distinção é importante e até resulta no que arrisco dizer ser um retrato mais completo e até mais interessante da vida do casal, com ênfase em Priscilla, lógico. Não é que Priscilla não seja ninguém sem Elvis Presley, mas o que Coppola, que também redigiu o roteiro com base em autobiografia que Priscilla Presley escreveu com Sandra Harmon, parece querer indicar é que a simbiose e a interdependência dos dois é o elemento central em sua abordagem. Sim, Elvis continua sendo o Elvis que conhecemos, ainda que, aqui, ele ganhe uma pegada intimista e humana que estuda os reflexos de seu estrelato em sua vida com Priscilla, ainda que o próprio estrelato seja externo ao longa, quase nunca realmente aparecendo (o quase mítico Tom Parker sequer aparece no longa, mas seu título honorífico Coronel é onipresente). No entanto, o que realmente importa é quem é Elvis quando Priscilla está presente, em um interessante jogo narrativo da diretora que subverte expectativas e faz Priscilla definir o astro da mesma forma que o astro define Priscilla.

Se Jacob Elordi tem, talvez, a grande atuação de sua ainda nascente carreira, criando um Elvis Presley frágil, inseguro, dependente que aos poucos vai mostrando dentes oriundos de sua vida desregrada, de sua prisão artística imposta pelo Coronel e das drogas, o grande destaque dramático vai mesmo para Cailee Spaeny que, com seus 25 anos, chega ao seu primeiro protagonismo e que consegue convencer tanto como uma adolescente de 15 anos que é arrebatada pela fama de Elvis em 1959, quando eles se conhecem na Alemanha, quanto como uma mulher madura e mãe com 28 anos, quando ela finalmente percebe que o tipo de vida que foi imposto a ela não é mais sustentável. A escolha de Coppola em não usar uma atriz mais nova para a Priscilla adolescente foi arriscada, mas o resultado chega a ser surpreendente, especialmente se considerarmos que nada de maquiagem intrusiva – do tipo que percebemos muito claramente – foi utilizado, com Spaeny navegando da inocência à maturidade sem solução de continuidade e com grande fluidez.

Obviamente que Elordi e Spaeny precisavam funcionar perfeitamente bem juntos, caso contrário o filme falharia fragorosamente. Considerando que os dois atores têm quase exatamente a mesma idade, enquanto que Elvis era 10 anos mais velho que Priscilla, Coppola tinha um campo minado para trabalhar, mas sua capacidade de construir relacionamentos românticos em tela triunfou mais uma vez, com uma direção de atores invejável que conseguiu estabelecer com facilidade as diferenças de idade e a necessária convergência etária entre os dois personagens que, na sequência quase final na suíte imperial de um hotel em Las Vegas, parecem ter exatamente a mesma idade. E olhem que eu sequer estou aqui mencionando a diferença de estatura entre os dois, que Coppola usa sensacionalmente primeiro como um elemento para diferenciar, para distanciar e, depois, como uma forma de aproximá-los ainda mais ao usar de expedientes para eliminar a disparidade.

Com uma fotografia com foco suave de Philippe Le Sourd (em sua terceira parceria seguida com a diretora, depois de O Estranho que Nós Amamos e On the Rocks),  que tende a usar uma paleta de cores mais escurecida, com muitas sequências em ambientes fechados, notadamente o quarto de Elvis em Graceland, o longa em momento algum sinaliza um final feliz mesmo para quem não tem a menor ideia da história do casal, mas não deixa de, discretamente, especialmente no início, dar um enfoque fabulesco para a narrativa. Tenho para mim que essa abordagem era a mais acertada diante da implicação natural que a grande diferença de idade entre os personagens traz ao subconsciente dos espectadores e pelo fato de Priscilla só ter 15 anos quando tudo começa. Mesmo considerando a época em que a história se passa, o tabu já existia e, de novo, Coppola navega essas águas com grande demonstração de segurança e experiência, em que é muito ajudada por uma mais do que inspirada Spaeny, atriz que, espero, ganhe ainda mais espaço em obras futuras.

Mesmo levando em consideração que a base do longa é uma autobiografia de Priscilla Presley e que ela própria atuou como produtora executiva, Priscilla não tem aquele ranço de uma obra chapa branca, de algo feito para tirar o destaque de Elvis ou para transformar Priscilla apenas em uma vítima ou até mesmo em uma pessoa incompreendida. Ao contrário, há um excelente equilíbrio na forma como o drama e o romance são trabalhados a ponto de ser difícil definir se este filme é um complemento à obra de Luhrmann ou se é o longa de 2022 que complementa a visão mais centrada, longe da fama, mas com a fama como um terceiro intrusivo na relação do casal, que Sofia Coppola oferece.

Priscilla (Idem, EUA/Itália – 2023)
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola (baseado em livro de Priscilla Presley e Sandra Harmon)
Elenco: Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Ari Cohen, Dagmara Domińczyk, Tim Post, Lynne Griffin, Daniel Beirne, Rodrigo Fernandez-Stoll, Dan Abramovici, R. Austin Ball, Olivia Barrett, Stephanie Moore, Luke Humphrey, Evan Annisette, Emily Mitchell
Duração: 114 min.

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