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Crítica | Princesa Mononoke

por Ritter Fan
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Hayao Miyazaki nunca deixou para trás sua temática fortemente ambiental com elementos fantásticos desde Nausicäa do Vale do Vento, filme que tornou possível a criação do Estúdio Ghibli. O cineasta retornou a esse tema diversas outras vezes, seja de maneira lúdica como em Meu Amigo Totoro, seja bebendo fortemente da mitologia nipônica como em PomPoko: A Grande Batalha dos Guaxinins, mas foi com Princesa Mononoke que ele efetivamente criou uma “continuação espiritual” – ou um prelúdio, se pensarmos bem – de Nausicäa, criando um universo sobrenatural com fascinantes regras próprias, só que desta vez baseado no Período Muromachi da História Japonesa, com um incrível trabalho de recriação de época nos figurinos tanto dos campesinos quanto dos lordes e samurais.

Como em Nausicäa, tentar descrever a história é perda de tempo dada a vastidão das ideias de Miyazaki e a forma absolutamente fascinante como ele apresenta personagens humanos e sobrenaturais que passam a popular a história. O elemento catalisador da narrativa, porém, é a jornada para oeste do jovem Príncipe Ashitaka (Yōji Matsuda) para investigar a origem de um javali-demônio que atacara sua vila e contaminara seu braço, condenando-o à morte segundo a anciã local. Nessa jornada, o rapaz encontra o mundo dos homens, representado por uma refinaria de aço controlada por Lady Eboshi (Yūko Tanaka), em conflito com o mundo natural, representado por uma matilha de lobos brancos falantes que, como em O Livro da Selva, acolheu a humana San, conhecida como a princesa do título (Yuriko Ishida). Ashitaka passa, então, a tentar ser a ponte entre mundos ao mesmo tempo que precisa lutar contra sua infecção que, porém, lhe dá algumas habilidades especiais que definitivamente vêm a calhar em diversos momentos.

Se o pano de fundo ambiental não traz grandes novidades, ainda que, como sempre, seja extremamente relevante, os detalhes da mitologia criada por Miyazaki são encantadores, algo que ele apresenta em uma estrutura típica de jornada de amadurecimento em que Ashitaka vai do menos ao mais sobrenatural de maneira muito fluida, sem que as criaturas mais bizarras pareçam completos absurdos fora de esquadro dentro de uma proposta que, com exceção do javali-demônio, parecia realista. Diferente de suas obras anteriores, a violência em Princesa Mononoke é explícita, com uma boa quantidade de braços e cabeças cortadas com todo o gore que segue daí, mas sem que esses momentos criem repulsa ou sejam explorados em detalhes nas sequências. Em outras palavras, eles acrescentam ao realismo inicial, mas já ajudando a quebrar barreiras potencial pré-concebidas por quem não conhece todos os trabalhos do diretor, pois PomPoko, vale lembrar, já carregava nesse lado mais explicitamente violento.

Também diferente dos longas mais lembrados de Miyazaki e apesar do título, o protagonista é um homem como em Porco Rosso, com a jovem San/Mononoke sendo muito mais um símbolo do que uma personagem efetivamente desenvolvida. Mas isso não quer dizer que as mulheres não povoem fortemente o longa. Além de San e de Lady Eboshi, dois completos opostos em absolutamente tudo, há as mulheres que trabalham duro na refinaria fabricando aço e que logo enxergam a bondade em Ashitake. Há um cuidado grande do design em tratar essas personagens razoavelmente fungíveis com uma musculatura diferente das demais mulheres da animação ou mesmo dos homens, já que, pela natureza do trabalho extenuante, elas desenvolvem mais o torso e os ombros, em uma composição muito bonita, respeitosa e inteligente, algo que inclusive ajuda em uma das temáticas “menores” do longa referente aos gêneros e à divisão do trabalho (algo que Porco Rosso também aborda, ainda que de forma bem diferente).

A natureza que cerca a refinaria recebe também enormes cuidados do design de produção, com um trabalho que chega a impressionar por não ter feito uso extensivo de computação gráfica (há CGI em 10% do filme, mas apenas em sequências compostas como as manifestações ao redor do braço infestado de Ashitake ou no enorme e translúcido espírito da floresta). Assim como no começo do longa, a equipe de desenhistas não perde de vista a abordagem primordialmente realista que, ato contínuo, sofre quebras dessas realidade com o uso da profusão de personagens fantásticos que vão aparecendo na medida em que a obra progride, mas sempre de maneira natural, quase que autoexplicativa, sem que o roteiro, também de Miyazaki precise dar explicações maiores do que breves palavras contextualizadoras.

Para ser completamente honesto, lá pelo final de seu segundo terço, quando Ashitaka conversa com a loba que comanda a matilha de San, o longa freia um tanto quanto bruscamente, criando uma espécie de barriga narrativa que é muito saliente exatamente pela economia de palavras do roteiro até aquele momento. Há uma tentativa do cineasta de reafirmar alguns conceitos e de conectar Ashitaka a San com mais força, mas que, confesso, não era exatamente necessário, pelo menos não segurando a ação e substituindo-a por sequências contemplativas que, por mais bonitas que sejam, carecem de timing.

Como acontece com Nausicäa, Princesa Mononoke é um filme para ter cada um de seus fotogramas admirados com a mão tentando segurar o queixo. Miyazaki mais uma vez entrega uma obra de temática poderosa, personagens fascinantes e execução quase perfeita (que eu tomei a liberdade de “arredondar” para perfeita) que encanta e hipnotiza o espectador de tal maneira que sua duração avantajada passa em um piscar de olhos. Aliás, que piscar que nada, pois o espectador não pode se dar ao luxo de perder uma fração de segundo dessa maravilha.

Princesa Mononoke (Mononoke-hime – Japão/EUA, 1997)
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Elenco: Yōji Matsuda, Yuriko Ishida, Yūko Tanaka, Kaoru Kobayashi, Masahiko Nishimura, Tsunehiko Kamijō, Akihiro Miwa, Mitsuko Mori, Hisaya Morishige
Duração: 134 min.

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