Já disse isso antes e vou repetir: Primal é uma excelente animação quando Genndy Tartakovsky permanece confinado no universo que criou que, inicialmente, reunia humanos com dinossauros em uma mesma era, uma “travessura” temporal perfeitamente justificável. Ao longo dos três primeiros episódios da 1ª temporada, o showrunner parecida disposta a trabalhar com o material que tinha em mãos até que veio Terror Under the Blood Moon, com a introdução de ameaças monstruosas que não saíram de qualquer era paleontológica, seguido de Rage of the Ape-Man que foi ainda além e apresentou magia ou, pelo menos, algo bem parecido com isso.
Não que Tartakovsky não possa fazer isso. Afinal, trata-se de sua criação e ele faz dela o que bem entender. Meu ponto é que ao estabelecer um universo praticamente sem regras, a riqueza de Primal esvai-se um pouco, tornando-se, basicamente, um vale-tudo em que qualquer coisa que o cineasta russo-americano imaginar, poderá acontecer. A característica pré-histórica da história, com isso, tende a perder a coesão e a lógica interna, além de colocar Spear e Fang em situações que não só eles não têm chance de compreender, como também não conseguem enfrentar de maneira razoavelmente paritária.
Sim, sei que é possível afirmar que Primal se passa em outro universo ou até mesmo em um futuro pós-apocalíptico. Tenho consciência dessas possibilidades, mas são exatamente elas que tiram um pouco a graça da premissa e tendem a transformar a animação em algo mais comum, do tipo que já existe por aí aos borbotões. Claro, a qualidade da animação, o uso da engenharia sonora e da trilha sonora não perdem em nada com essas escolhas, continuando do mais alto gabarito, mas Spear e Fang, como personagens, acabam diluídos em meio a uma premissa sem fio da meada.
E isso tudo que escrevi exercitando meu fútil direito de reclamar serve de preâmbulo para Coven of the Damned, episódio que vai bem mais além na pegada sobrenatural do que os dois episódios que mencionei. Aqui, Spear é capturado por bruxas comandadas por uma entidade sombria ainda mais poderosa, com uma delas passando a controlar Fang mentalmente. O objetivo é fazer de Spear uma oferenda, algo que eles observam, horrorizados, nos primeiros minutos do capítulo. A magia reina completamente aqui – ou talvez a entidade seja extraterrestre, não sei, pois literalmente vale tudo para explicar o que testemunhamos – e os eventos que acontecem a partir da captura de Spear e do controle de Fang, com uma das bruxas retornando ao passado dos dois e encontrando ressonância com seu próprio passado, é única e exclusivamente dependente de feitiços variados.
Na verdade, a dupla protagonista é quase que completamente uma mera espectadora em Coven of the Damned. Nada que eles fazem ou deixam de fazer interfere na história que gira em torno das reminiscências da vovó bruxinha que reacende a bondade em seu coração e mais nada. Spear permanece quase o tempo todo amarrado no totem de oferenda e Fang hipnotizado, isso quando os dois não estão completamente congelados de forma que a bruxa possa passear por seus respectivos passados, além do dela, claro.
Coven of the Damned, mesmo que por um momento eu esqueça que não gosto da abordagem sobrenatural na série e mesmo considerando a qualidade técnica da obra que, vale destacar, conta com a “voz” de Amanda Troop para fazer os sons guturais das bruxas, não chega próximo do mesmo nível dos episódios que o antecederam nessa segunda parte da 1ª temporada. O melodrama pesa aqui, assim como o escanteamento da dupla principal. Sem Spear e/ou Fang como o centro das atenções, Primal perde um pedaço da alma e não tem bruxinha de bom coração que compense essa falta.
Primal – 1X08: Coven of the Damned (EUA – 18 de outubro de 2020)
Criação: Genndy Tartakovsky
Direção: Genndy Tartakovsky
Roteiro: Nagisa Koyama, Genndy Tartakovsky
Elenco: Aaron LaPlante, Amanda Troop
Duração: 22 min.