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Crítica | Presépio, de Carlos Drummond de Andrade

A intensa trajetória de Dasdores em sua turbulenta noite de Natal.

por Leonardo Campos
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Publicado em 1951 no volume Contos de Aprendiz, um painel de histórias curtas de Carlos Drummond de Andrade, o conto Presépio é uma das tantas histórias natalinas do escritor brasileiro que expôs, também por meio da poesia e da crônica, um dos períodos mais significativos do nosso calendário, sempre a colocar o eu-lírico e personagens em situações de reflexão. No conto em questões, acompanhamos a jornada de uma jovem que mora no interior, angustiada em sua labuta para dar conta da montagem do presépio, um símbolo importante na representação tradicional do Natal. Subordinada pelas imposições de sua época, ela possui uma missão que não é exatamente simples, mas que se torna agoniante por outro motivo: se a ocupação tomar mais tempo que o imaginado, isso a impedirá de bater outra meta do seu dia cheio de atribuições, em especial, se encontrar com o namorado.

O conto, em sua dinâmica genial, traz a relação de Dasdores com o tempo. No espaço de desenvolvimento da história, temos as obrigações para a montagem do presépio, tendo em vista atender aos anseios da família na composição dos festejos natalinos. Em paralelo, o tempo psicológico transcorre vertiginosamente, com a ansiedade da jovem em relação ao encontro com o seu namorado Abelardo. Em sua vida, várias coisas são impostas de maneira rígida, o que torna a perspectiva sonhadora da personagem algo de muita conexão com o leitor. Desejamos, a todo instante, que o presépio seja montado urgentemente, para que a magia natalina se estabeleça na noite de Dasdores. Ela é um daqueles personagens que vivem as imposições sociais de seu tempo. Os pais, preocupados com os prováveis pensamentos perigosos e confusos, tentam deixa-la assoberbada constantemente, focada em seus afazeres domésticos.

Abelardo era um jovem que ela encontrava apenas em festas, visitas aos parentes ou na missa. Por isso, se perdesse uma dessas ocasiões, como é o caso do rito religioso realizado na igreja e mencionado no conto, poderia perder a grande oportunidade de desanuviar. Assim, basicamente, a história se desenvolve nesta correria da moça em montar o presépio, fazer tudo que precisa ser conforme as regras da casa e partir para o seu momento de felicidade. Algo simples, mas aqui trabalhado de maneira que se transforma numa tarefa hercúlea, estabelecendo ao longo das linhas temáticas como paixão, dúvida e, consequentemente, ansiedade e agonia. Drummond, com a sua sabedoria na composição literária, dosa humor e complexidade num conto que poderia ser apenas uma história banal, mas que possui muitas significações ainda atuais.

É envolvente, breve, traz contribuições para diversas reflexões, além de funcionar como uma leitura diletante para amantes da literatura. Ademais, interessante a ideia do presépio como alegoria da prisão de Dasdores. É uma representação da sua situação de aprisionada nos afazeres da mulher de uma época ainda calcada na ausência dos rompantes da modernidade. Paradoxal ao seu tempo e espaço, as coisas passam numa celeridade absurda para a personagem. O Natal, conhecido por suas confraternizações, não será o mesmo de a moça não encontrar o namorado e, assim, ter alguns instantes de afeto, algo tão desejado e que se torna um conflito instaurado ao longo de seu dia. O presépio, em sua estrutura, é um curral, um lugar onde os animais estão retidos. Aqui, Dasdores se encontra na mesma perspectiva: presa ao espaço doméstico, em contraposição aos devaneios de sua mente que idealiza o encontro ideal.

Entre paixão, dúvida e agonia, Drummond nos entrega um conto natalino coeso e bastante envolvente. Do lado de cá, como leitores, nos questionamos: teria sido um feliz natal para Dasdores?

Presépio (Brasil, 1951)
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Editora original: José Olympio
3 páginas

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