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Crítica | Presença de Anita (2001)

Anita: Sedutora, liberal e mortal.

por Leonardo Campos
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Da fonte literária que lhe serviu de ponto de partida ao produto audiovisual no formato minissérie lançado pela Rede Globo, Presença de Anita é um material próprio para o desenvolvimento de polêmicas. Quando publicado por Mário Donato em 1948, o livro causou alvoroço e foi considerado imoral pela Igreja Católica. Isso não impediu que a obra chegasse ao contemporâneo e neste percurso, ter ganhado adaptação cinematográfica, pouco conhecida, devidamente registrada em nossa memória cultural. Traduzido livremente para o suporte semiótico televisivo, o universo desta garota sedutora, liberal e mortal apresenta os temas comuns das narrativas ficcionais que dialogam com adultério e obsessão, neste caso, o desejo irrefreável de um homem por uma jovem que se torna algo muito além que uma amante, mas a musa inspiradora de sua vida obtusa e branda no campo das paixões.

Dirigida por Ricardo Waddington, Edgard Miranda e Alexandra Avancini, realizadores guiados pelos textos de Manoel Carlos e colaboradores, Presença de Anita durou 16 episódios e foi exibida em agosto de 2001, sendo um sucesso de crítica e público. Na trama, Fernando (José Mayer), também chamado de Nando ao longo da história, é um homem cheio de manias, reclamão, chato e machista, uma espécie de revelação em camadas do que seriam as polêmicas deste ator hoje cancelado, exposto midiaticamente após escândalos de assédio e misoginia nos corredores da rede televisiva onde trabalha desde os primeiros anos de sua carreira focada quase sempre neste tipo de personagem. Ele é marido da belíssima Lúcia Helena (Helena Ranaldi), uma mulher que deseja a todo custo recuperar as chamas da paixão que demarcaram os anos iniciais de seu casamento. Para isso, eles decidem tentar resolver a questão.

E como? Simples, saindo do caos urbano de São Paulo, cidade considerada estressante e violenta por um dos personagens e seguindo rumo ao interior, Florença, cidade fictícia que é tranquila e silenciosa o suficiente para que todos tenham os seus planos executados. O reajuste do casamento é a maior preocupação de Helena, paciente com os rompantes de grosseria constantes de Nando, interessado em utilizar o tempo dessa viagem para focar na escrita de seu livro, um conteúdo que não sai por falta de inspiração em sua própria vida. Os conflitos e ansiedades começam quando Anita (Mel Lisboa) chega na cidade. Ela vai morar num sobrado tão enigmático quanto ela, lugar que no passado, foi palco de uma tragédia entre dois apaixonados. Além de perturbar a mente de Nando, a jovem vai causar sensação na cidade com o seu jeito liberal e postura feminina firme, culta e com falas sempre muito inteligentes.

Não demora, Anita e o personagem de José Mayer se encontram. A paixão incendiária vai avassalar a vida de todos que gravitam em torno desse eixo de obsessão e morte, pois além do homem maduro seduzido pela jovem, temos José (Leonardo Miggiorin), apelidado de Zezinho, um garoto que se deixa levar pelo jeito da moça e torna-se também obcecado, tendo com a sua nova musa a primeira relação sexual. Apresentado sempre de maneira humorada, o garoto será o catalisador dos pontos mais altos da catarse final, quando se mete numa situação entre os amantes e acaba perdendo a vida numa dupla camada da tragédia que marca o desfecho da minissérie. Com momentos de intensidade sentimental e sexual, o forte magnetismo entre Nando e Anita está fadado ao trágico desde os seus primeiros momentos. A produção vai entregando uma série de pistas desde o inicio de tudo. É só aguardar e esperar para contemplar.

Dentre os destaques, não podemos deixar de comentar a abertura bastante irônica, com a personagem de Mel Lisboa a manipular todos os personagens em miniaturas, uma metáfora visual direta para uma de suas funções dramáticas no desenvolvimento da minissérie. A música tema, Ne Me Quite Pas, na voz de Maysa, traz o impacto necessário para a criação da atmosfera que mescla os temas já mencionado, mas associa ao elemento obsessão uma pitada generosa de sobrenatural. Ademais, para ajudar com isso, temos Conchita, a boneca bailarina espanhola de Anita, objeto que segundo a moça, guarda o espírito de Cíntia, moradora anterior do sobrado, assassinada por seu amante. Neste quesito, interessante observar como a garota flerta com histórias narradas sempre com muito mistério, deixando a todos, em especial, Nando, atordoados com a sua ambiguidade, cinismo, carisma e olhar enigmático.

Anita é, sem dúvida, um personagem dentro do arquétipo de Lolita, mixado com as características das mulheres fatais do cinema. A diferença é que a sua fonte de sedução é o seu jeito de ser, o olhar, sem precisar de saltos, roupas justas e decotadas, lingeries e outros atributos comuns aos figurinos destes modelos de personagens, para deixar os homens aos seus pés. As informações sobre o seu passado e suas dimensões psicológicas e sociais são entregues aos poucos, algo que torna Presença de Anita eficiente e envolvente. Descobrimos, junto aos participantes da dinâmica interna ficcional, que a moça namorou um pintor chamado Armando, homem com quem ela seguiu aos 12 anos de idade, quando se apaixonou. A sua mãe a expulsou e desde então, a jovem vive do seu jeito, tendo aprendido a se virar sozinha. Em cena, ela se apresenta com o vestuário concebido pela figurinista Helena Gastal, profissional que mescla no desenho da personagem, traços de doçura com alguns elementos provocativos.

Em Presença de Anita, além da história central de adultério e morte, temos um feixe de figuras ficcionais adicionais que ajudam na dinâmica da trama. São eles: Venâncio (Linneu Dias), o pai de Lúcia Helena, homem demasiadamente moralista, clichê dos questionamentos sobre a modernidade e os novos padrões de comportamento; Luíza (Júlia Almeida), filha do primeiro casamento de Nando, jovem que impõe maiores conflitos para a atual esposa do escritor, tanto por seu comportamento como pela amizade com Anita, providenciada pela garota fatal e provocadora; Marta (Vera Holtz), cunhada de Nando, mulher que comanda a casa da família com mão de ferro e parece não viver a sua sexualidade plena há eras. É um personagem polêmico, pois ao tornar André (Taiguara Nazareth), o seu objeto de fetiche, criou uma acirrada discussão externa na época e ainda depois, haja vista o caráter racista da situação que nos remete ao pesado passado histórico de nosso país, colonizado e com história secular de escravidão.

Em linhas gerais, Presença de Anita é um material polêmico, mas que vai além dos “babados” para construir um feixe forte de personagens bem delineados, além de colocar em cena tabus antigos, mas ainda muito discutidos hoje, duas décadas após esta minissérie que marcou toda uma geração, ainda muito “presente” em nossa memória.

Presença de Anita (minissérie, Brasil – 2001)
Direção: Ricardo Waddington, Alexandre Avancini
Roteiro: Manoel Carlos (baseado no livro homônimo de Mário Donato)
Elenco: Mel Lisboa, José Mayer, Helena Ranaldi, Leonardo Miggiorin, Júlia Almeida, Vera Holtz, Taiguara Nazareth, Carolina Kasting, Linneu Dias, Paulo Cesar Pereio, Umberto Magnani, Clarisse Abujamra, Walter Breda, Marcos Caruso, Selma Reis, Nelson Sargento, Alexandre Barros, Tony Mastaler, Renata Briani, Noemi Gerbelli, Celso Frateschi, Dayse Braga, Francisco Carvalho, Antônio Destro, Wolney de Assis, Pedro Rossa, Maria Tereza Cruz Lima, Vanessa Nunes, Débora Olivieri, André Cursino, Joanna Tristão, Erom Cordeiro
Duração: 29-71 min. (16 episódios no total)

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