Com a aquisição de quase toda a Fox pela Disney, duas das maiores franquias de monstros alienígenas do cinema passaram a ser propriedades da Casa do Camundongo: Alien e Predador. Até a data da presente crítica, apenas a franquia Predador havia ganhado um novo filme lançado diretamente no streaming, O Predador: A Caçada, com uma promessa de uma série de TV da franquia Alien por ninguém menos do que Noah Hawley. Nos quadrinhos, naturalmente, o passo foi mais acelerado, com Alien ganhando uma sucessão de interessantes arcos de HQs desde 2021, com Bloodlines, e Predador começando sua publicação pela Marvel Comics a partir de 2022. No entanto, até setembro de 2023, os dois monstrões haviam permanecido ao largo do Universo Marvel de super-heróis já muito bem estabelecido editorialmente e havia dúvida se eles sequer um dia fariam parte dele.
Pois essa dúvida não mais existe, pelo menos não em relação aos Yautjas, coloquialmente conhecidos como Predadores ou até Caçadores. A minissérie em quatro edições Predador vs. Wolverine vem para definitivamente inseri-los na vasta lista de espécies extraterrestres do Universo Marvel. Não é, obviamente, o primeiro crossover dos Predadores nos quadrinhos, muito longe disso, pois, quando ambas as franquias eram publicadas pela Dark Horse Comics, houve a oportunidade de diversas publicações “inter-editoras”, começando pela DC com Batman Versus Predador, em 1991, mas nunca com a Marvel. Se o Morcegão era a escolha mais natural na Distinta Concorrência, ainda que não a mais óbvia, para um tête-à-tête com um Predador, Wolverine é a escolha perfeita em todos os sentidos.
O projeto editorial encabeçado por Benjamin Percy nos roteiros é, vale notar, bem mais ambicioso do que os crossovers com a DC. Lá, compreensivelmente, as histórias eram essencialmente “soltas”, sem o estabelecimento efetivo de um universo único. O que Percy faz vai muito além do que eu estava esperando, que seria a mera chegada de um Predador em alguma zona remota da Terra em que Wolverine por acaso estivesse passeando, de forma que os dois pudessem protagonizar uma sucessão cada vez mais destrutiva de rinhas de galo. Não que ele não faça exatamente isso, pois faz, mas o roteirista se dá ao trabalho de entrelaçar os momentos mais importantes da longa vida de Wolverine com um Predador obcecado em ter seu crânio em sua sala de troféus, no que é, essencialmente, um gigantesco e completamente desavergonhado retcon (sigla de continuidade retroativa em que fatos até então desconhecidos são inseridos no passado de determinado personagem). E se alguém acha que eu vou reclamar disso, podem tirar o cavalinho da chuva, pois eu já sou burro velho e estou mais do que vacinado contra essa estratégia e não me importo nem um pouco quando ela é empregada.
E, aqui, os retcons chegam até a ser divertidos, devo confessar. Enquadrado por uma ação no presente em que Wolverine, de uniforme, aparece todo estropiado fugindo de um Predador e que é narrada ao longo das quatro edições, cada uma delas contém, ainda, um flashback para um período específico da vida do Carcaju que marca seus encontros com o alienígena. Na primeira edição, vemos o Jovem James Howlett, em sua reclusão no norte do Canadá, efetivamente esbarrando na criatura e tendo seu primeiro entrevero com ela, que logo percebe seu valor como “troféu”. Na segunda edição, vemos Wolverine como parte da Equipe X, ao lado de Dentes de Sabre, Maverick e outros, sendo caçados pelo mesmo Predador, só que acompanhado de alguns amigos em uma missão que parece mais de vingança. Na terceira edição, descobrimos que o Predador teve importante participação no projeto Arma X, em que o adamantium foi fundido ao esqueleto de Wolverine. Entre a terceira e quarta edições, talvez demonstrando que a ideia era ter pelo menos uma quinta edição, a narrativa corre um pouco e vemos a Era Murasama, com Wolverine treinando no Japão e a Era Westchester, com ele já na Mansão X que, então, leva aos eventos correntes.
Para marcar essas transições, cada época tem arte de uma equipe diferente e todas elas conseguem capturar a essência desses momentos de Wolverine, especialmente, diria, Kei Sama ao trabalhar a mentoria de Murasama. Chega a ser uma pena que haja tão pouco espaço para que cada um desses passeios pela história de um dos mais usados e abusados personagens da Marvel não ganhe mais páginas, mas a história em si tem um roteiro muito simples, com Percy não reinventando a roda e simplesmente fazendo o que todo mundo costuma fazer com Wolverine, ou seja, a cada combate ampliar o nível de destruição que seu corpo aguenta até chegar ao completo ridículo, ainda que um completo ridículo divertido, além de o roteirista inserir diversas pequenas e bem sacadas piscadelas à franquia cinematográfica, especialmente ao primeiro e mais clássico filme. Afinal, ver Wolverine reentrar na Terra como uma cápsula espacial em sua fase Arma X arrancou-me risadas que me lembraram a história, no Universo Ultimate, em que o Hulk literalmente quebra o Carcaju em dois pedaços que, depois, vão se recompondo.
Predador vs. Wolverine é diversão descerebrada garantida que coloca os dois grandes caçadores dos quadrinhos em constante rota de colisão em uma estrutura em que o alienígena passou a ser parte integral de toda a história do mutante, uma escolha certamente inusitada, mas que parece indicar que a Marvel Comics quer apostar nos Yautjas como a mais nova espécie alienígena ameaçadora do Universo Marvel. Será interessante ver se os monstros obcecados por troféus terão outros encontros com heróis e vilões da editora, ainda que o resultado não venha a ser muito diferente do que Percy nos entrega aqui. E, claro, porque não trazer os xenomorfos logo também para o mesmo universo?
Predador vs. Wolverine (Predator vs. Wolverine – EUA, 2023)
Contendo: Predador vs. Wolverine #1 a 4
Roteiro: Benjamin Percy
Arte: Ken Lashley (presente), Greg Land (só no presente da edição #1), Jay Leisten (Jovem Wolverine), Andrea di Vito (Equipe X), Hayden Sherman (Arma X), Kei Sama (Era Murasama), Gavin Guidry (Era Westchester)
Cores: Juan Fernandez, Frank D’Armata, Alex Guimarães, Matthew Wilson
Letras: Cory Petit
Editora: Marvel Comics
Datas originais de publicação: 20 de setembro, 25 de outubro, 29 de novembro e 27 de dezembro de 2023
Páginas: 127