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Monster Swamp, um bom episódio, porém mais lento do que deveria ser, tem um papel fundamental para aplacar alguns pensamentos mais dispersos de espectadores reclamões e encarrilhar pelo menos meia dúzia de linhas narrativas que até aqui só tinham recebido informações mais ou menos soltas.
É quase impossível fazer uma sinopse do capítulo — por diversão, tente! — sem parecer estar falando de coisas diferentes e desconexas e isso é interessante porque mostra que, mesmo este Monster Swamp sendo uma história carente de planos mais curtos e mãos mais ágeis ao guiar cada um dos blocos (embora seja um pecado apontar isso de cara, porque a direção de Craig Zisk, mesmo com cadência “operística”, é muito boa no que se propõe), existe um bom número de eventos que ganham corpo, quase como uma sequência natural das possibilidades abertas no episódio passado.
Em um primeiro nível, o mais raso — não é um apontamento negativo, apenas uma abordagem do roteiro de Sara Goodman — temos o passado de Jesse sendo escavado. São momentos que fazem uma ponte entre a criança que é arrastada pelo pai para uma religião de hábitos que não combinam muito com o que uma criança quer fazer e um adulto redimido que enfim resolveu cumprir uma promessa, utilizando-se agora do verdadeiro poder da Palavra, guiando as pessoas para um caminho do tipo “crer em Deus é bom e a coisa certa, você tem que fazer“, ironia máxima dos produtores ao conceito de livre-arbítrio (o próprio personagem de Jesse e a Entidade em seu corpo, Genesis, são ironias a isso também), que está sendo bem construída agora para, obviamente, ser massacrada ao final da temporada com algo trágico que inevitavelmente deve acontecer.
Na outra ponta, temos algumas informações sobre o passado de Tulipa e uma melhor fixação da personagem na comunidade local, onde ela se vê deslocada, mas não necessariamente estranha, querendo lutar por tudo o que acha que é certo e revoltando-se contra o discurso odioso (mas hilário, dentro desse Universo, convenhamos) do “barão das carnes”, Odin Quincannon. Perceba que toda vez que Tulipa ganha algum destaque, o Universo de Preacher parece ver algumas novas janelas se abrindo, algumas coisas do submundo reveladas ou feridas sendo cutucadas para em pouco tempo receberem cauterização final devido o temperamento explosivo da personagem. De todos, ela e Cassidy são os que mais assumem riscos, cada um dentro de um modus operandi e com motivações diferentes.
Dominic Cooper expande aqui o seu já notável trabalho na série com um excelente discurso e uma excelente interpretação perante a congregação. Esse discurso é basicamente o trato do Antigo Testamento e deixa claro para o espectador que é pelo caminho da Lei de Talião que a série irá caminhar, trazendo uma visão vez ou outra floreada com “punição merecida por pecar contra Deus“, o que torna qualquer ação violenta, genocídio e afins algo justificável aos olhos de qualquer um que pensa como esse Deus pré-Cristo, o mesmo pensamento que, reformulado cuidadosamente por algumas ideologias, poderá servir para o desabrochar do ódio do Xerife Hugo Root, o emprego dado ao Santo dos Assassinos ou mesmo as ações de Herr Starr e seu grupo. É importante não perder esse tom do roteiro porque haverá uma metáfora a isso no final desta primeira temporada, quando uma “nova aliança” se estabelecerá entre alguém e Jesse. Teremos a nossa Sodoma e Gomorra minimizada aqui também.
O fato de Odin Quincannon aceitar a Palavra é um dos absurdos mais interessantes desse início, porque irá fazer um bom diálogo da postura e atividades do personagem com a sua nova crença. Esse tipo de oposição entre lados morais/éticos vem sendo bem arquitetado pela direção de fotografia dos episódios, especialmente nos blocos de Odin e dos anjos incompetentes (e sem permissão para estar na Terra) Fiore e DeBlanc, que capitaneiam sequências de ótima estranheza. Toda vez que eles aparecem eu penso estar vendo alguma cena de um filme de David Lynch. O dualismo de forças e o exotismo do comportamento, além das possibilidades de interpretações que podem vir de suas ideias, ações e intenções são coisas bastante propícias a isso.
No fim de Monster Swamp, parece-nos que Annville está prestes a ter uma temporada nas mãos do Senhor. Mas, como sempre, seria melhor que não tivesse.
Preacher 1X04: Monster Swamp (EUA, 19 de junho de 2016)
Direção: Craig Zisk
Roteiro: Sara Goodman
Elenco: Dominic Cooper, Joseph Gilgun, Ruth Negga, Lucy Griffiths, W. Earl Brown, Tom Brooke, Anatol Yusef, Jackie Earle Haley, Ricky Mabe, Nathan Darrow
Duração: 42 min.