Ao contrário da informação normalmente espalhada por aí, O Sexto Sentido não foi o primeiro filme do diretor/roteirista, M.N Shyamalan. Antes disso, houve a comédia dramática estadunidense Olhos Abertos e esta produção desconhecida, híbrida estadunidense-indiana, Praying With Anger, o verdadeiro primeiro filme da sua filmografia. Com apenas 22 anos, Shyamalan dirige, banca do próprio bolso, roteiriza e estrela o longa que parece representar uma autobiografia, ou no mínimo, seu projeto mais pessoal, pois visita a sua cultura sobre uma perspectiva estrangeira dele próprio, já que o pequeno Manoj Nelliattu (M.N) deixou o país de origem cedo para viver o sonho americano e igualmente só retornou para lá, para rodar o filme.
O choque cultural e as tensões sociais, no entanto, são somente um dos pontos da premissa, pois Praying With Anger é um filme que essencialmente lida muito com a relação interpessoal do protagonista e o sobrenatural, uma temática recorrente nos filmes posteriores do diretor. Dev (Shyamalan) está de volta a Índia para se encontrar segundo sua mãe, mas também para descobrir mais sobre as forças culturais que moldaram a personalidade de seu pai, o qual faleceu e tinha uma personalidade violenta que acabou indiretamente passando por Dev em um surto de raiva e agredir outra pessoa gravemente, justificando o “castigo” de voltar para um lugar em que ele não é aceito.
É interessante notar como o desenvolvimento do personagem, permeia sempre entre essa dubiedade do conflito interno de se tornar a figura que tanto criticava, também representada pelo ambiente ao seu redor que o hostiliza pela não correspondência cultural, tão quanto ele inocentemente reprime suas origens. A jornada de Dev passará a ser um ensinamento com via de mão dupla, onde ele americanizado ajudaria a aquelas pessoas que ele gosta ao seu redor, a ressignificar certas tradições, enquanto ele através de uma conexão mais nítida com a fé e a paternidade, transformaria seu olhar em algo não mais alienado da própria origem. Embora as vezes falte sutileza no coming-off age, o texto de Shyamalan já possuía substância o suficiente para propor um olhar diferente entre culturas, fora de um território maniqueísta.
Além disso, já neste primeiro longa, podemos perceber o potencial técnico do jovem cineasta, na sua decupagem virtuosa e bem montada, preferencial a sequenciamentos sem cortes que passeiam pelo cenário e ambientação – que neste caso, é quase um personagem a parte no filme – e valorizam toda conversa através da didatização sutil de detalhes e expressões faciais especificas a qual o diretor foca com um objetivo claro de colocá-la como importante na narrativa. Shyamalan já nasceu no cinema como um grande manipulador, por mais que este longa se distancie do seu gênero primordial escolhido, no caso, o suspense e o terror, um dos seus aspectos mais fortes da sua dramática aqui é o uso desse enfoque de câmera em expressões como se fossem elementos importantes do suspense para aproximar o telespectador ao sentimento de pressionamento vivido pelo protagonista.
Até em termos de atuação, o elenco é competente, graças a condução unitária de Shyamalan, que também não se sai mal em performance individual. O rapaz se mostrava multitalentoso em cada uma das áreas artísticas do cinema desde estudante. O problema de Praying With Anger está muito na duração. Longo demais e mal ritmado, por vezes, rodando em círculos sobre um mesmo ponto de pessoalidade ideológica do diretor, que desde cedo, também demostrava a ampla vaidade sobre suas criações, a ponto de beijar a autoindulgência – como aconteceria algumas vezes mais tarde –, mesmo que nesse início amador fosse um mérito de autoridade.
Praying With Anger (EUA – Índia, 1992)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: M. Night Shyamalan, Mike Muthu, K. Subramanian, Arun Balachandran, Richa Ahuja Badami, Christabal Howie, Sushma Ahuja, Apajit Singh
Duração: 103 minutos