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Crítica | Porta dos Fundos: Contrato Vitalício

por Luiz Santiago
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O coletivo de humor Porta dos Fundos é um dos canais de maior sucesso do Youtube brasileiro, com uma proposta que foge às grades normalmente importas a humoristas e artistas que, de forma inteligente, resolvem falar sobre… qualquer coisa. O grupo já teve uma série na FOX, O Grande González e diretor Ian SBF mais alguns atores do Porta estiveram no interessante Entre Abelhas. Sem medo de arriscar, o grupo resolveu voar mais alto e produzir uma ideia já falada a algum tempo entre eles, apenas uma “antiga brincadeira entre amigos” que acabou se tornando o primeiro longa-metragem da trupe, Porta dos Fundos: Contrato Vitalício.

A grande diferença entre o roteiro de Fábio Porchat e Gabriel Esteves no filme e os esquetes que ele e outros roteiristas assinam para o Youtube é que a longa duração acabou maculando por completo uma ideia que a princípio era muito boa. Deve-se admitir que a proposta do enredo — a metalinguagem que abre as portas para a crítica ácida ao mundo do entretenimento em várias mídias na atualidade — ganha imensa força em algumas cenas e de qualquer ponto que se olhe, é a melhor coisa do filme, encerrando em si, inclusive, as melhores piadas e situações, desde as politicamente incorretas e boas, quando Miguel (Gregório Duvivier) e Rodrigo (Fábio Porchat) discursam após ganharem a Palma de Ouro em Cannes pelo fictício Oxigênio, até a ideia (porque a execução não é boa) de passagem da telona para o palco do teatro, ao final, com alguma pitada de Birdman em sua composição.

A longo prazo, o que irrita muito o espectador é o caminhão de possibilidades e coisas interessantes que a obra poderia ter, mas que são estragadas pelo besteirol elevado a uma potência que retira da fita, por exemplo, a sua real capacidade cinematográfica, afetando, portanto, a montagem (toda a longa, cansativa e demasiadamente solta parte da filmagem do épico sobre os 10 anos de Miguel no centro da Terra é, em sua maior parte, insuportável) e diminuindo a relação já muito bem estabelecida do público com os atores em cena (mas Fábio Porchat e Antonio Tabet estão muito bons em seus papéis), um tipo de tiro no pé que não é muito a cara dos textos do Porta, que normalmente tendem a ser desbocados, sexuais, “polêmicos”, instigantes e capazes de dar grande destaque ao grupo de atores que o interpreta. Em Contrato Vitalício, isso acontece apenas em alguns momentos. Mas vejam, aí reside um outro problema do filme, que vem com um paradoxo argumentativo que explico a seguir.

Por um lado, a perda do elemento cinematográfico ocorre à medida que a comédia se destila para o escracho pelo escracho. Esse tipo de humor torpe, no pior sentido, não é a cara do grupo, o que já acende uma luz de atenção e desgosto para quem acompanha o canal ou para quem foi ao cinema ver apenas uma comédia despreocupada, não quilômetros a rodo de piadas com peidos, arrotos, ‘rolas bobas’ e bloquinhos cênicos que se resolvem rapidamente para dar continuidade a um outro, muitas vezes porcamente ligado ao anterior. Isso tem a ver com o problema de montagem que eu já comentei, mas também com a coletânea de insanidade do roteiro, dividindo-se em dezenas de possibilidades quando a própria essência da obra já renderia uma baita comédia. Metade do que se vê na tela, especialmente no miolo, é desnecessário.

O paradoxo vem em uma leitura que faço desse tipo de narrativa em esquetes mal disfarçados. Se o texto assumisse essa linha de tramas separadas e fizesse valer, como uma espécie de número-a-número (à la Monty Python – O Sentido da Vida), sua linha temática principal, o problema com a forma desapareceria e talvez o roteiro não sofresse tanto ao digladiar-se para preencher os espaços em branco com bobagens e piadas ruins. A outra possibilidade era que, mesmo nesse molde mais sutil, seria possível enxugar o número de personagens em cena e fazer algo com que o púbico pudesse acompanhar mais de perto a cada um, tornando mais natural certos tratamentos, por exemplo, a relação de Rodrigo com Lorenzo, jornalista da Tititi ou a presença de Ulisses, o ótimo personagem de Luis Lobianco, infelizmente estragado por uma estranha modificação em sua essência, caso o acompanhemos do início (cena do avião) até o final (cena com Xuxa).

Ian SBF comete muitos exageros e clichês automáticos imperdoáveis, a maioria deles concentrados durante o período de filmagem do épico fictício. Perdendo-se na quantidade de coisas que achou necessário incluir nas filmagens (aqui vai a devida divisão da culpa para o editor Bernardo Pimenta), temos referências demais à cultura pop, que já tinha começado no pôster do filme, emulando o de Os Vingadores, e que vai até a penúltima sequência da fita, tendo nesse meio tempo uma maior presença de exageros e mau uso. Como pontos positivos da direção, destaco a boa apresentação dos personagens e duas excelentes cenas de conjunto, a primeira, quando Miguel (inspiração em Francis Ford Coppola) reúne a equipe para fazer a leitura de um roteiro na casa de Rodrigo, e a segunda, quando o ditador alien interpretado por Paulo — que faz oficina com uma preparadora louca maravilhosamente interpretada por Júlia Rabello, uma brincadeira clara com Fátima Toledo — ataca Rodrigo, pendurado em uma corda, pela primeira vez.

Do restante da equipe técnica, é válido citar a aplicação de uma trilha sonora de maior ambientação e não de narrativa, o que livra o filme de intromissões irritantes, algo comum em comédias soltas desse tipo, e a fotografia de Gui Machado, com desempenho notável em tomadas internas de espaços pequenos e em toda a sequência de filmagem do épico (pois é, ela funciona para um determinado setor, mas para outros, não).

No fim das contas, é possível até gostar da proposta do filme, do enorme sarro tirado com “produtores de conteúdo” e [pseudo] celebridades de hoje em dia, mas no todo, Porta dos Fundos: Contrato Vitalício é um fracasso; ironicamente, um fracasso por não fazer de seu roteiro e composição aquilo que a equipe, de fato talentosa, sabe fazer de melhor: humor inteligente.

Porta dos Fundos: Contrato Vitalício (Brasil, 2016)
Direção: Ian SBF
Roteiro: Gabriel Esteves, Fábio Porchat
Elenco: Gregório Duvivier, Fábio Porchat, Antonio Tabet, Gabriel Totoro, João Vicente de Castro, Júlia Rabello, Luis Lobianco, Marcos Veras, Rafael Portugal, Thati Lopes
Duração:  106 min.

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