Uma expressão popular pode definir, logo depois dos primeiros momentos, os rumos adotados em Pornocracy, documentário dirigido pela francesa Ovidie, um dos grandes nomes da indústria pornográfica europeia. O mote: analisar os desdobramentos da indústria em questão diante do advento da internet, em especial, da criação dos “tubes”, canais para veiculação de material virtual, bem como sucateamento das produções por meio do compartilhamento ilegal, em linhas gerais, pirateado. Ah, sim, antes de continuar, a expressão mencionada que mais se adequa é “o sujo falando do mal lavado”. Motivo simples: uma mulher que é parte integrante de um segmento que, sabemos, submete outras garotas a determinadas situações de humilhação e afins, questiona o atual cenário da cultura pornográfica, mas de acordo com meu ponto de vista, pelas motivações errôneas. A reflexão de Ovidie não é totalmente descartável, ao contrário, ela levanta pontos em prol de seu ramo profissional, mas ao tocar em determinadas observações, acaba tornando-se paradoxal e cíclica na crítica que realiza, sendo, inclusive, redundante.
Geralmente é no fim de uma análise assim que chegamos ao ponto, mas não é preciso o desfecho do documentário para compreender que a diretora, também pesquisadora e roteirista da empreitada, está inserida numa abordagem quase anacrônica, isto é, a crise das diversas indústrias com o estabelecimento da virtualidade. Quem viveu os anos 1990 e 2000 com intensidade cultural lembra exatamente das maravilhas com a chegada do DVD, mudança que colocou o VHS para escanteio. Na mídia, tínhamos o filme, os extras, etc. Não demorou, o processo de cópia surgiu, com mercados na internet e nas ruas com versões destes filmes que não nos fazia mais ter que pegar filas para conseguir o desejado lançamento para assistir no conforto de nossos lares. Uma facilidade ilegal, a concorrer com os estabelecimentos que compravam produções cada vez mais caras, sem o retorno, culminando na falência.
Foi o que ocorreu com a indústria da música, da literatura, da moda e, como no foco do documentário, na linha de produção dos filmes pornográficos. Com os vídeos profissionais sendo duplicados sem autorização, os envolvidos no segmento começaram a perder muito dinheiro e ter que realizar narrativas cada vez mais extremas, tendo em vista atrair os consumidores perdidos pela sedução da internet. 95% dos vídeos destes tubes, segundo a diretora, são pirateados, algo que culminou na morte desta indústria ou inserção dos atores em dinâmicas de horário e salários diferentes do que era anteriormente, num papo que nos leva para a atual era da uberização dos serviços. Nos depoimentos, os entrevistados e entrevistadas assumem que diante do conteúdo mais acessível, inclusive não apenas para o público adulto, mas para crianças e adolescentes que acham estes materiais mais facilmente, o trabalho se tornou mais insano.
Com isso, posições irreais, propostas de sexo violento, dentre outros chamarizes. Na era de concorrência com a pornografia virtual, foi preciso ampliar os horizontes de produção, mesmo assim, sem conseguir metade do que antes era previsto. A maneira que a realizadora encontra para apontar o dedo para a virtualidade é questionar como estes sites ganham dinheiro, como jogam com tráfego de visitações, compra de propagandas e cliques que, de acordo com alguns depoimentos, envolvem lavagem de dinheiro e corrupção. É assim que Ovidie conduz a sua narrativa, num tom sempre sombrio, nebuloso, que nos permite lembrar as tramas hollywoodianas de conteúdo conspiratório. Em linhas gerais, Pornocracy nos apresenta, ao longo deu seus 70 minutos, um monopólio em busca de compreensão de outro, tendo em vista endossar a sua análise sobre as mudanças econômicas com o advento da democratização da internet. Esteticamente, é interessante, suas discussões também despertam a nossa atenção, mas creio que haja uma falta de direcionamento melhor para a abordagem a que se propõe.
Pornocracy (Pornocratie: Les nouvelles multinationales du sexe- França, 2017)
Direção: Ovidie
Roteiro: Ovidie
Elenco: Alissiya, Ania Kinski, Arwen Gold, Julia Grandi, Leyla Bentho, Rocco Siffredi, Ron Jeremy, Tera Patrick
Duração: 78 min