Como se eu já não tivesse prateleiras e mais prateleiras de livros que eu ainda quero ler, resolvi pesquisar novelizações, um gênero literário que não gosto muito de ler, para ver se encontrava algo que faria meus olhos brilharem. E não demorei a me deparar com a adaptação literária da Trilogia dos Dólares, de Sergio Leone, cujo primeiro livro, Por um Punhado de Dólares, foi escrito por Frank Chandler e publicado originalmente no Reino Unido, em 1972, ou seja, oito anos depois do lançamento do longa italiano. Mais do que isso, descobri que não só toda a trilogia havia sido convertida em livro – os dois seguintes por Joe Millard – como outras cinco obras literárias do Homem Sem Nome se seguiram às iniciais, quatro por Millar e uma por Brian Fox, o que automaticamente tornou essa “octologia” em algo que eu simplesmente precisava ler. Um pouco mais de trabalho de garimpo secretamente esperando nada encontrar e pronto, achei os livros físicos e imediatamente os adquiri, aumentando minha pilha de “a ler” que muito facilmente é suficiente para minhas próximas três ou quatro reencarnações.
Frank Chandler, na verdade, é um dos vários pseudônimos do autor britânico Terry Harknett, que faleceu em 2019 aos 82 anos e que, sob seus vários nomes artísticos, escreveu mais de 200 romances, diversos deles do gênero faroeste. Em Por um Punhado de Dólares, ele escreve uma novelização que segue quase que exatamente cada sequência do clássico filme de 1964, algo que normalmente desgosto por não haver a oferta de um “algo mais” que justifique a própria existência do livro, mas que, aqui, talvez pelo quanto o longa é icônico no imaginário popular, especialmente a figura de um lacônico Clint Eastwood de poncho, chapéu e cigarro de enrolar nos lábios, talvez tenha sido uma escolha sábia. Meu receio maior sobre a adaptação era o quanto Chandler (vou usar o nom de plume escolhido pelo autor) conseguiria capturar, em palavras, toda a atmosfera do filme que é o que verdadeiramente faz dele e dos dois que se seguiram, aquilo que eles representaram e ainda representam para o gênero em questão inseridos.
Ao fim das rápidas 160 páginas, minha conclusão é que o autor não poderia ter sido mais feliz na forma como ele fez a transposição de mídias. Não se trata, nem de longe, de alta literatura, de um trabalho rebuscado ou complexo, mas é justamente na economia certeira de palavras, nas descrições diretas e sem firulas, na ação rápida e certeira que repousa a qualidade do que Chandler faz. Com uma narração em terceira pessoa, o Homem Sem Nome de Leone/Eastwood ganha vida e suas decisões, suas escolhas são trabalhadas não em monólogos internos ou momentos em que o pensamento do protagonista é exposto em detalhes, mas sim embebidas na narrativa, na ação que leva o protagonista a fazer com que duas gangues rivais que controlam e aterrorizam um vilarejo entre em um conflito mortal que as leva à completa destruição. Há naturalmente mais diálogos partindo do Homem Sem Nome do que no longa, mas Chandler não exagera, mantendo-se muito fiel ao espírito de um personagem que é muito mais um arquétipo de um pistoleiro do que efetivamente um personagem completo.
Diria até mesmo que o tempo entre o lançamento do filme (dos três filmes na verdade, pois o terceiro chegou aos cinemas em 1966) e a publicação do livro ajudou o autor a compreender, para além de qualquer mínima dúvida, o que enraizou tão profundamente o personagem no imaginário popular, algo que uma novelização simultânea talvez não conseguisse da mesma forma. Com isso, Chandler teve a vantagem de trabalhar em cima quase que de um mito cinematográfico que imediatamente gerou tantas cópias, algumas delas icônicas de sua própria maneira como foi o caso de Django, de Sergio Corbucci, protagonizado por Franco Nero, que o mercado cinematográfico mundial se viu saturado de um mesmo tipo de personagem em poucos anos. Um autor menos capaz de deixar seu ego de lado, tentaria impor seu próprio estilo a Por um Punhado de Dólares, mas o que Frank Chandler fez foi justamente emular, da melhor maneira possível, o estilo minuciosamente espartano da criação de Sergio Leone, resultando em uma leitura que não só não trai a obra original, como é rápida e muito satisfatória para quem quiser revisitar um clássico de outra maneira.
Por um Punhado de Dólares (A Fistful of Dollars – Reino Unido, 1972)
Autoria: Frank Chandler (Terry Harknett)
Editora: Star Book (W.H. Allen & Co. Ltd.)
Data original de publicação: janeiro de 1972
Páginas: 160