Home TVMinisséries Crítica | Por Trás dos Seus Olhos (2021)

Crítica | Por Trás dos Seus Olhos (2021)

Uma péssima adaptação, que erra em quase todos os aspectos.

por Fernando Annunziata
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Por trás dos seus olhos é uma clássica obra que prende o espectador pelo simples fato dele saber que no final terá um suposto grande plot twist. Não é à toa que o marketing do filme se sustenta exclusivamente na ideia, e a premissa da Netflix vende o conceito de cara: “uma história que você vai querer rever depois que terminar”. Uma estratégia de venda “genial”, que atrai “incríveis” poucos espectadores para a película e os aprisiona em uma uma história que não adiciona, não desenvolve, não diz, não mostra, não encerra, não ensina… quase não existe. E o famigerado plot twist? Tão absurdo quanto a própria existência da minissérie.

No “esboço” do que era pra ser um seriado, encontramos uma premissa que tinha um grande potencial: Louise (Simona Brown), uma mulher comum, esbarra com David (Tom Bateman) em uma rara saída à noite para um bar. Os dois acabam tendo um rápido caso, no entanto, a mulher descobre que o seu novo – e casado – chefe é o homem que ela havia conhecido na noite anterior. Ao mesmo tempo, a esposa de David, Adele (Eve Hewson), apresenta comportamentos misteriosos, o que abre espaço para uma grande investigação por parte da protagonista.

É preciso debater, antes de tudo, como uma narrativa literária pode ser transportada com êxito para as telas de TV. Isso porque a obra é baseada no aclamado livro de mesmo nome, de autoria de Sarah Pinborough. Em um livro, o autor tem abertura para lançar mão de detalhes que podem ser descritos com uma certa “sensualidade”, como pensamentos, por exemplo; enquanto, em vídeo, isso não ocorre. Por mais que seja visível um esforço dos atores e atrizes em querer transmitir a ideia, um olhar e uma cara mal-lavada não resolve a questão. Pelo contrário: o desespero em querer acertar esse ponto é tamanha que as atuações são ofuscadas em uma tentativa agoniante de tentar passar uma informação que estava exposta no livro mas não pôde ser verbalizada nas telas. 

Grande erro não só do roteiro, que poderia ter inserido falas em off, mas também da preparação do elenco: embora os personagens precisem ser fiéis aos originais, é importante notar a marca dos atores; e aqui, isso não ocorre. O esforço em querer transmitir uma ideia do livro é tamanha que é perceptível que os próprios atores se sentem presos a um script mal estruturado e, assim, agem como robôs. Isso, porém, não demonstra uma falta de competência dos atores – até porque Tom Bateman mostra boa performance como Bouc em Morte no Nilo (2022), por exemplo – e sim de todo o resto, desde a escolha narrativa até a direção da obra. Aliás, Eve Hewson é a única que parece ter mais liberdade criativa para pôr a própria marca na atuação, e entendemos o motivo no final da empreitada. Isso é fundamental para que ela consiga ter uma performance de tirar o fôlego e se destacar como um dos poucos pontos altos da história. 

SPOILERS!

Depois de cinco intermináveis episódios, finalmente chegamos ao último, com o prometido plot twist. Faltando cinco minutos para o fim, nada mudou: o ritmo continua lento, a história é a mesma do primeiro capítulo, Tom Bateman está com a mesma cara de sempre. E então… a surpresa. Uma música cativante começa a tocar, somos levados à curiosidade e fixamos o olhar na tela. O mundo em volta parece parar quando, enfim, descobrimos que o grande plot twist se fixava na “brilhante” ideia de que Adele na verdade é um homem gay que entrou no corpo da mulher após fazer uma projeção astral – conceito este que é pouquíssimo desenvolvido nos outros episódios. Um sentimento inexplicável sobe à cabeça, assim como os créditos finais. 

Uma série que se sustenta em um plot twist precisa, no mínimo, tê-lo bem desenvolvido. Entretanto, aqui é uma resolução pífia, que não é bem explorada ao longo dos episódios e, no final, parece mais uma tentativa desesperada de tentar impressionar o espectador por meio de decisões absurdas. Faria sentido se a ideia de autoconhecimento fosse bem explorada, porém, por mais que seja notável um esforço para isso, ela foi perdida logo no início.

De fato, há uma pequena motivação em reassistir a minissérie para acompanhar a atuação de Eve Hewson, que por meio de olhares e sorrisos, sempre deixou intrínseco que era a grande vilã. Mas não justifica o incrível hype criado para vender o filme. No mais, o encerramento alimenta um estereótipo absurdo criado pela indústria cinematográfica acerca do público LGBTQIA+: estes são vistos como predadores promíscuos e dispostos a fazer qualquer coisa pelo amor da sua vida, inclusive projeções astrais.

Enfim, Por trás dos seus olhos é um exemplo de narrativa mal construída e entra no hall das péssimas adaptações. Uma história que poderia debater autoconhecimento e relações afetivas acaba se perdendo em uma empreitada supérflua que não complementa em nada; pelo contrário, corrobora com péssimos estereótipos. Isso também abre espaços para a ideia de que adaptar para a TV obras que na literatura são aclamadas podem ser uma péssima ideia.

Por Trás dos Seus Olhos (Behind Her Eyes) – 1ª Temporada (EUA, 2021)
Direção: Erik Richter Strand
Roteiro: Steve Lightfoot, Angela LaManna, Sarah Pinborough
Elenco: Simona Brown, Eve Hewson, Tom Bateman, Robert Aramayo, Tyler Howitt, Georgie Glen
Duração: 4 horas e 58 minutos

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