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Crítica | Por Água Abaixo

por Iann Jeliel
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Por Água Abaixo

Por Água Abaixo é um filme que de tão simplório se torna banal. A história do ratinho domesticado Roddy, solitário no seu apartamento em Londres, que vive numa espécie de Toy Story ao tentar voltar para casa depois de descobrir todo um submundo civil de ratos vivendo no esgoto e se meter no meio de uma perseguição à qual não foi convidado, com um deles (no caso, uma: Rita) tentando roubar um rubi de um chefe (Sapão) da “máfia” local, possui pouquíssimos elementos carismáticos ou de personalidade própria. Tratando-se da Dreamworks, talvez seja o filme que menos apresenta traços de suas características mais fortes, como narrativas de rivalidade entre amigos, sátiras protagonizadas pelos “diferentes” e subtexto social como auxílio.

Dá até para justificar, dado que esse não é um filme exclusivamente da empresa, mas em parceria com o estúdio de stop-motion britânico Aardman, os quais compartilham o ótimo Fuga das Galinhas e o razoável (para mim) Wallace & Gromit: A Batalha Contra os Vegetais. Contudo, os dois citados apresentavam e valorizavam tais características fortes apontadas. Aliás, esse também até apresenta, só que a Dreamworks desperdiça o potencial do universo que podia direcionar a história ao que ela sabe fazer, por estar numa época cada vez mais descompromissada com a concepção artística de suas animações. Não à toa, Por Água Abaixo não é totalmente um stop-motion. A técnica de modelamento está presente, mas a aplicação da continuidade dos movimentos é digitalizada, tal como a concepção da vivacidade dos cenários. Ou seja, menos trabalho para a realização da animação, embora acarretasse num aumento de custos que quase levou o filme ao prejuízo, mal conseguindo se pagar, mesmo com um certo apelo internacional ao público britânico.

Confesso que não tenho tanta afinidade com a tipificação do humor irreverente dos ingleses que o filme puxa a fim de dar uma representatividade local, mas a comédia em si não funciona por outros motivos, remetentes ao legado que Shrek deixou em puxar paródia e comédia pastelão de qualquer coisa que não necessariamente vai combinar com o timing do que está sendo contado na história. O arquétipo britânico, com algumas piadas específicas sobre o contexto da seleção inglesa no futebol ou esquetes no início, acabam sendo mais um dos vários elementos cômicos aleatórios e inseridos em obviedade num contexto para fazer uma piada situacional. As músicas pop de sucesso da época meio que confirmam essas referências óbvias e apelativas inseridas, como utilizar Lonely de Akon cantada pelas lesmas (alívios cômicos para tentar dar unidade ao humor aleatório), mostrando que o verdadeiro desejo do protagonista não era voltar para casa, mas ter uma família que o fizesse companhia. O que, diga-se de passagem, soa algo oportuno, já que não há nem um contraponto da relação entre o protagonista e os seus humanos, por exemplo, fornecendo o mínimo de dualidade ao seu conflito interno para o público.

Só é mostrada sua rotina enquanto eles estão em férias, mas a relação de mimo entre humano e rato doméstico podia sim ser uma companhia autossuficiente. Se fosse introduzida assim, seria até melhor, pois o personagem ficaria indeciso entre essa família e uma realmente da sua espécie, questionando no processo sua posição de “privilegiado” ao observar como é a real luta de sobrevivência “financeira” de seus companheiros do esgoto e se sentido na obrigação de ajudar. Mas o roteiro não explora esse lado, como também não aproveita vários outros conflitos, porque nem chega a utilizá-los nesse levantamento de classes ou espécies para alguma coisa, fora algumas piadas oportunas – ok, a piada do gato no final é muito boa para contrapor meu questionamento anterior, ainda assim vale a reclamação.

Nem mesmo a premissa do rato que o joga pela privada vira motivo de conflito para a virada no personagem, já que no fim das contas ele terminará a aventura exatamente do jeito que começou, só vai deixar de se enganar falando que não se sentia solitário. A quebra do orgulho poderia ter sido feita bem antes, durante a trama, que é até relativamente divertida pela resolução objetiva dos desafios geográficos do caminho, mas perde enorme peso por esse mau desenvolvimento emocional particular. Rita (Kate Winslet) é uma personagem bem mais interessante que ele, entrando na categoria de protagonistas femininas fortes que a Dreamworks tão bem sabe conceber. A química dela com Roddy (Hugh Jackman) é o mais próximo que o filme atinge de algo cativante, por ficar entre a construção por rivalidade e o romance. Pena que seu pano de fundo motivacional particular seja bastante genérico também, e o do vilão (Jean Reno), nem se fala. Beira o constrangedor quando ele dá seu pano de fundo por flashback.

Eu nem acho que Por Água Abaixo seja ruim por ser uma animação de descompromisso assumida, afinal, é plenamente possível que esse tipo de animação seja minimamente icônica para os olhos infantis que viram à época guardarem com carinho – falo isso com propriedade, afinal, Os Sem Floresta é uma dessas animações da minha infância que não são nada de mais, desse aqui, nunca gostei nem quando pequeno. Ele é ruim por ser pouco eficiente até no básico que propõe, 2006 acabou sendo um ano de demarcação para o pior período criativo da Dreamworks.

Por Água Abaixo (Flushed Away | EUA, 2006)
Direção: David Bowers, Sam Fell
Roteiro: Dick Clement , Christopher Lloyd , William Davies
Elenco: Hugh Jackman, Kate Winslet, Ian McKellen, Jean Reno, Bill Nighy, Andy Serkis, Shane Richie, Kathy Burke, David Suchet, Miriam Margolyes, Rachel Rawlinson, Susan Duerden, Miles Richardson, John Motson, Douglas Weston
Duração: 84 minutos

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