O cinema brasileiro, muitas vezes descartado pelo público em razão das comédias da Globofilmes, que, ironicamente, costumam sempre se sair bem nas bilheterias, sempre soube muito bem retratar a raiz do que significa ser brasileiro, muitas vezes contando com protagonistas à margem da sociedade ou em situação que os tira de suas vidas mais simples, rotineiras, tecendo, assim, críticas sociais. Existe, porém, um certo afastamento de nossos filmes em relação aos eventos contemporâneos a ele – enquanto, no exterior, assistimos obras que lidam com assuntos atuais, aqui a preferência é a de nos distanciar temporal ou ideologicamente das grandes polêmicas envolvendo nossa política, o que não deixa de ser engraçado, considerando as centenas de acontecimentos dignos de House of Cards que presenciamos.
Existe, porém, um grande problema ao lidar com a atualidade, principalmente com questões que envolvam políticos de uma nação de pensamento tão binário, onde, se o outro não estiver conosco, ele está contra nós: a possibilidade da obra ser taxada como mera propaganda política. Evidente que Polícia Federal: A Lei é Para Todos geraria essa percepção, estamos em um país tão afligido pela corrupção que, qualquer um que soe um pouco melhor que o restante da corja é logo santificado, vide Lula, Moro ou Freixo. Um filme como esse, portanto, invariavelmente irá ser percebido como tomada de partido, ainda que não tão explicitamente quanto Lula, o Filho do Brasil, lançado durante seu segundo mandato. Além disso, é preciso ter em mente que, um longa-metragem, independente de seu tema ou gênero, sempre irá refletir as opiniões de seu realizador, seja ele uma ficção científica ou baseado em fatos, portanto, exigir neutralidade de uma obra não é somente uma ingenuidade, como tentativa de suprimir a identidade de tal manifestação artística, lembrando que arte não é só aquilo que você gosta.
O filme de Marcelo Antunez, apesar dessa inevitável taxação, não tem como foco atacar determinado partido ou transformar figuras de outro em heróis. Claro que a opinião política do diretor e dos roteiristas Thomas Stavros e Gustavo Lipsztein fazem-se presentes, mas fica bem clara a intenção de mostrar a operação Lava Jato do ponto de vista dos investigadores da polícia federal, questão salientada pela constante narração em off, que dá um toque documental à obra, embora ela seja ficção. Acompanhamos, pois, Ivan (Antonio Calloni), Beatriz (Flávia Alessandra), Julio Cesar (Bruce Gomlevsky), dentre outros policiais, durante as primeiras fases da operação contra a corrupção, de 2013 a 2016, mostrando a forma como tudo alcançou proporções inimagináveis.
O grande problema de se realizar um filme com constante narração em off é que essa precisa não somente se justificar, trazendo relevantes informações ao espectador, como não deve roubar espaço de seus personagens, complementando as atuações e não as apagando. Infelizmente, não é isso o que ocorre aqui – a história do longa progride basicamente através desse voice over, tirando o foco dos personagens, praticamente impossibilitando que qualquer um deles seja construído efetivamente. À exceção de Julio Cesar, sabemos absolutamente nada sobre cada um deles, suas motivações pessoais ou história pregressa, tornando-os meros peões a serem movidos pelo roteiro. Mesmo Julio claramente está presente como tentativa do texto de Stavros e Lipsztein de se manter na neutralidade, questão que transparece com clareza, fazendo das sequências do personagem com sua família inserções extremamente artificiais.
Aliás, é curioso como o filme não se decide muito bem se quer tomar partido ou não. O juiz, que claramente representa Sérgio Moro, por exemplo, jamais é nomeado, enquanto que determinadas figuras políticas são caricaturizada – faltou mais coragem por parte dos realizadores em assumirem, de fato, suas opiniões, ao invés disso deixam explicitamente implícitas suas visões sobre a política, como um plano específico dos panfletos da ex-presidente Dilma Rousseff no chão das ruas ou a forma como grupos de manifestantes são apresentados, praticamente antagonizando os defensores de Lula e afins. Dessa forma, somos levados de volta ao velho pensamento binário que assola nossa sociedade, excluindo qualquer possibilidade de diálogo, em razão da vilanização daquele que não pensa da mesma forma.
Não ajuda, também, o fato da obra contar com atuações robóticas, fruto de diálogos mal-escritos, mais um sintoma da soberania do voice over no filme. Não conseguimos, de fato, acreditar em qualquer um dos policiais e delegados, que, em geral, repetem o que todos já sabemos: não adianta prender nenhum desses bandidos, já que eles serão soltos em breve. Em um filme vendido como “os bastidores da operação Lava Jato”, ironicamente, não vemos muito do que aconteceu por trás, visto que pulamos de delação a delação sem muito trabalho detetivesco por trás, somente com alguns trechos de Julio fazendo uma conexão através dos dados coletados. Felizmente, esse aspecto é contrabalanceado pela aceleração do ritmo da obra em sua segunda metade, que lida mais com nosso imaginário e recordações para construir a tensão das cenas. Enquanto a primeira parcela do filme prova ser algo extremamente enfadonho, a segunda nos envolve de forma mais significativa, deixando, inclusive, espaço para uma sequência já planejada, algo já esperado, considerando que esse longa aborda somente parte da investigação.
Polícia Federal: A Lei é Para Todos, portanto, não é uma propaganda política pura e simplesmente como muitos têm dito por aí. Em essência, esse é um filme policial, cujo foco são os acontecimentos recentes pelo ponto de vista da Polícia Federal. Ainda assim, trata-se de uma obra que não sabe muito bem colocar a sua opinião em tela, como se demonstrasse medo de ser taxada pelo público como partidária. Além disso, problemas narrativos tornam grande parte da projeção algo bastante enfadonho, fator que, felizmente, é diminuído quando o longa realmente embala, lá pela sua segunda metade. É uma boa premissa, mas faltou coragem em sua execução.
Polícia Federal: A Lei é Para Todos — Brasil, 2017
Direção: Marcelo Antunez
Roteiro: Thomas Stavros, Gustavo Lipsztein
Elenco: Antonio Calloni, Marcelo Serrado, Ary Fontoura, Flávia Alessandra, Bruce Gomlevsky, João Baldasserini, Rainer Cadete, Roberto Berindelli, Leonardo Franco
Duração: 107 min.