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Crítica | Polegares Opositores: Como Siskel & Ebert Mudou os Filmes para Sempre, de Matt Singer

Dois polegares para cima, sem dúvida!

por Ritter Fan
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Não tenho dúvidas de que o crítico de cinema americano de Chicago Roger Ebert é um nome muito conhecido entre os cinéfilos no Brasil e, talvez, em bem menor medida, o mesmo aconteça com Gene Siskel, também crítico de cinema americano de Chicago. Tenho minhas dúvidas, porém, sobre a penetração local das diversas versões do programa televisivo sobre críticas cinematográficas que os dois estrelaram nos EUA, começando com Opening Soon at a Theater Near You, na PBS, em 1975, e acabando com Siskel & Ebert, no começo de 1999, pela Disney. Seja como for, tendo seus leitores tido oportunidade ou não de conhecer alguma versão do programa, nem que seja ouvindo falar, o que Matt Singer, crítico de cinema e televisão em seu próprio direito, oferece com seu livro Polegares Opositores: Como Siskel & Ebert Mudou os Filmes para Sempre (decidi usar o verbo mudar na terceira pessoa do singular, por eu interpretar que a referência a Siskel & Ebert, em razão do uso do “&”, é mais para o show da dupla) é uma abordagem universal que explora a história e a influência da parceria televisiva de Gene Siskel e Roger Ebert em relação ao Cinema e às críticas cinematográficas, ou seja, é uma história que potencialmente ecoa em qualquer um que se interessar por filmes em geral.

Singer começa da maneira mais óbvia, mas necessária, que é oferecendo curtas biografias de Ebert e Siskel e estabelecendo de início aquele que talvez seja o aspecto mais importante do relacionamento dos dois: o quanto eles, por serem repórteres críticos de jornais concorrentes – o Chicago Sun-Times no caso de Ebert e o Chicago Tribune no caso de Siskel -, tornaram-se ferrenhos concorrentes em tudo na vida real, em uma relação de amor e ódio que foi até o fim da vida deles. No entanto, o foco do autor está mesmo na longeva parceria entre os dois como anfitriões de diversas versões do mesmo programa em que a rivalidade deles servia às críticas das obras comentadas e, mais importante do que isso, à própria estrutura do show inicialmente mensal e, depois, semanal, ou seja, deixando que posicionamentos aberta e por vezes ferozmente antagônicos colorissem a narrativa, algo que, um tempo depois, acabaria levando ao uso dos mais do que famosos polegares para cima ou para baixo para julgar um filme (daí o título do livro que eu traduzi livremente por ele não ter sido publicado no Brasil na data da presente crítica).

Mas a esperteza de Singer está em usar essa rivalidade entre os dois para construir seu livro ao redor de interpretações antagônicas do que aconteceu, ou seja, o autor cultiva visões “opostas” para erigir sua inteligente e cativante narrativa que estabelece o quanto um programa como o deles realmente contribuiu para mudar a forma de se fazer televisão em geral e a de oferecer críticas cinematográficas em especial. Para isso, é necessário que o leitor volte no tempo e lembre-se de que Singer fala de um período muito anterior ao advento da internet como a conhecemos e a uma época em que a crítica cinematográfica era algo realmente mais elitista, mais rebuscado e normalmente limitado a um círculo menor de pessoas, havendo muito menos críticos do que a profusão infinita que vemos nos dias de hoje, sejam críticos de verdade ou apenas pitaqueiros que parecem críticos. Como corolário, o consumo de críticas cinematográficas – que eram somente escritas e publicadas em jornais e revistas – era obviamente muito mais tímido.

Além disso, a própria natureza de discussões diante das câmeras era menos aguerrida, com a franca oposição ficando limitada a algumas situações especiais e excepcionais, como debates políticos (bem mais civilizados naquela época segundo a tese de Singer) e com os polos opostos bem mais dispostos a realmente discutir e conversar e não a sair gritando e xingando no menor sinal de discordância. Com isso, não quero dizer que Gene Siskel e Robert Ebert eram deselegantes um com o outro, nada disso, pois Singer deixa muito clara a cordialidade que sublinhava a rivalidade entre eles (novamente, um exemplo de civilidade raro de se ver hoje em dia), mas sim que a dupla, de certa forma, inaugurou uma vertente de conflitos mais claros de posições que eles não tinham vergonha alguma de expor em televisão nacional. Muito ao contrário, esses conflitos eram o coração da improvável parceria entre os dois que começou como ideia de uma produtora de TV, mas cujos detalhes efetivos dessa gênese dependem da fonte que for consultada, como Singer jocosamente brinca em sua obra.

Temos que também lembrar que especialmente Ebert – então já detentor do primeiro Pulitzer por trabalho crítico -, com sua maneira mais “popular” de redigir críticas para o Sun-Times, já vinha mudando a face dessa profissão, tornando os comentários de mais fácil digestão e compreensão pelo público em geral que lentamente passava a esperar os comentários de seu crítico favorito para ter uma ideia de como seria o filme que estreava nos cinemas. Não que o público deva esperar críticas para saber se vai ou não ver um filme – não é para isso que uma crítica serve, por favor! -, mas o uso de estrelas para dar a imediata dimensão do que está escrito (ou, falando em português claro, para quem tem preguiça de ler) e o linguajar mais simples (mas nunca mequetrefe) já vinha tornando as críticas algo mais lugar-comum, menos voltada apenas a cinéfilos.

E a parceria televisiva dos dois veio, então, para levar isso ao outro extremo, popularizando de vez e em definitivo a crítica cinematográfica, algo que foi amplificado pelo advento do VHS e os comentários sobre produções mais antigas que agora estavam disponíveis em locadoras. O que fica evidente ao longo da narrativa bem pesquisada de Singer é que as produtoras de filmes passaram a olhar com olhos diferentes a profissão de crítico, algo que antes sequer registrava na máquina publicitária delas. Com a crescente fama e influência do programa dos dois, uma pequena revolução mercadológica passou a acontecer, com a normalização das cabines de imprensa que tornava possível o acesso prévio aos longas que seriam lançados no cinema, o fornecimento de material para ser usado na ilustração da crítica, como clipes específicos das obras (para o leitor ter uma ideia, Singer descreve o hercúleo processo de assistentes da produção do programa, que anotavam a minutagem das cenas que a dupla queria comentar especificamente, para, em seguida, ligar para os estúdios pedir os clipes que eram físicos, claro).

Diria que o autor não consegue estabelecer para além de qualquer dúvida que o show dos dois crítico mudou os filmes em si, como o título do livro indica, pois mesmo as críticas das duas celebridades não tiveram o condão de alterar a forma como as produções eram feitas. No entanto, ele é bem-sucedido quando fala da maneira como os estúdios passaram a encarar as críticas como parte indelével da “máquina” de marketing, mesmo que nem sempre com bons resultados já que a independência deles – mesmo quando estiveram trabalhando para a Disney – era notória e o tiro poderia sair pela culatra. Além disso, Singer é ainda mais assertivo em evidenciar o quanto o programa de Siskel e Ebert mudou a crítica cinematográfica em si, para bem ou para o mal, pois a popularização de qualquer coisa tem sempre dois lados bem opostos.

Mesmo por vezes não se preocupando em esconder sua profunda admiração e até tietagem por Roger Ebert e Gene Siskel, ambos falecidos em razão de formas diferentes de câncer, Siskel em 1999 e Ebert em 2013, Matt Singer escreve uma obra jornalística robusta, bem consubstanciada e com uma cadência que torna a leitura muito fácil e gostosa, com direito até mesmo a uma lista de 25 filmes pouco conhecidos, mas adorados pelos dois críticos, como uma forma de homenageá-los. Polegares Opositores usa visões antagônicas para sublinhar a rivalidade saudável entre os dois maiores nomes da crítica cinematográfica moderna e para nos mostrar, paralelamente, o quanto o nosso entrincheiramento intransigente sobre qualquer assunto, de filmes a política, é contraproducente. Deveríamos aprender com Siskel e Ebert a argumentar com elegância diante de posicionamentos contrários e não a sair batendo portas como crianças mimadas. Quem sabe a obra de Singer não ajuda um pouquinho nesse processo?

Polegares Opositores: Como Siskel & Ebert Mudou os Filmes para Sempre (Opposable Thumbs: How Siskel & Ebert Changed Movies Forever – EUA, 2023)
Autor: Matt Singer
Editora: G.P. Putnam’s Sons
Data original de publicação: 24 de outubro de 2023
Páginas: 352

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