Organizado por José Miguel Wisnik e editado pela Companhia das Letras, Poemas Escolhidos de Gregório de Matos é uma publicação muito interessante para todos aqueles interessados em se aprofundar nas temáticas barrocas e na presença do poeta em questão na história da literatura brasileira. Sendo um dos mais proeminentes representantes deste período, Gregório de Matos, conhecido por sua maestria em versos e seu talento para capturar as nuances da vida colonial brasileira, destacou-se na cena literária com composições associadas ao seu nome, que misturavam a crítica social ácida com o lirismo característico da poesia barroca. Sua formação e vivência em um ambiente marcado por contradições, tais como a opulência da Igreja e a pobreza da população, elementos contrastantes, moldaram sua escrita e suas temáticas, numa poesia que funciona como uma espécie de revelação perspicaz da sociedade colonial, permeada por inquietações, ironias e um profundo sentimento moral. Associada ao Barroco, movimento estético conhecido por seu estilo ornamentado, que faz uso de metáforas exuberantes, antíteses e contrastes, o legado de Matos nos permite refletir sobre a complexidade do ser humano e suas emoções, explorando temas que vão desde a transitoriedade da vida até a crítica à hipocrisia social e religiosa. Ao utilizar a forma poética para dialogar com o leitor, levando-o a uma reflexão acerca de questões existenciais e sociais, o autor tem na ironia uma de suas maiores marcas.
Por meio de versos bem-humorados e críticas mordazes, sua lírica denuncia a hipocrisia da elite colonial e os comportamentos moralmente questionáveis da sociedade. E, como podemos contemplar nessa seleção de Wisnik, além da crítica social, a espiritualidade é um tema recorrente na obra de Gregório de Matos. Ele tece reflexões sobre a fé, a salvação e a efemeridade da vida, características marcantes do pensamento barroco. A morte, por exemplo, aparece como uma constante que lembra o homem de sua fragilidade. Ademais, a musicalidade é outro traço importante na obra deixada pelo poeta: os seus versos apresentam ritmo e sonoridade que encantam o leitor, com rimas ricas, presença arquitetada de aliterações e significativa cadência dos versos que refletem uma preocupação com a forma que vai além da mera funcionalidade, buscando a estética pura. Essa musicalidade, aliada ao conteúdo espiritual e social, faz da poesia de Matos uma experiência única, que ainda ressoa ao longo da história da literatura no eu-lírico de outros poetas, além de ser menção em redes sociais quando o assunto é alguma crítica política. Na música, também teve muitas referências, em especial, na voz e letra de um dos principais nomes da MPB: Caetano Veloso.
Um dos traços mais significativos do legado de Gregório de Matos é a maneira como ele constrói sua identidade poética. Sua poesia não apenas reflete um espaço e um tempo dentro de eixos específicos, mas também contribui para a formação da literatura brasileira como um todo. Ao utilizar a língua portuguesa de maneira inovadora, o poeta permitiu uma ampliação das possibilidades da nossa lírica, na época, com ecos da colonização, estabelecendo um precedente que influenciou gerações de poetas que se seguiram. Em linhas gerais, é uma lírica que funciona ponte entre o passado colonial e um futuro literário que ainda buscava a sua própria voz. Manifestação artística de complexidade singular que transcende o contexto histórico em que foi produzida, a poesia de Matos desenha um retrato vívido da sociedade colonial, bem como toca em questões universais que ecoam ainda em nossos dias.
Ao longo das 359 páginas de Poemas Escolhidos de Gregório de Matos, temos ainda pontuações importantes, realizadas pelo organizador. Segundo informações da nota de abertura, a edição em questão é a mesma publicada em 1975 pela Editora Cultrix. Alguns ajustes e acréscimos pontuais foram realizados, tendo em vista as agitações atravessadas pela fortuna crítica do poeta ao longo das últimas décadas, aquecida por novas pesquisas e interpretações. Ademais, o responsável pela seleção destaca a preocupação de termos, disponibilizadas, coletâneas que introduzam Gregório de Matos para o público jovem, de maneira mais acessível. O substancial prefácio, disposto por meio do atrativo estilo acadêmico de José Miguel Wisnik, tece um painel sobre o contexto histórico onde o poeta se encontrava inserido, com explanações sobre a sua poesia amorosa, religiosa e satírica, cada uma delas com suas peculiaridades, o que torna a obra do selecionado um desafio de análise, interpretação e apreciação.
Assim, Poemas Escolhidos de Gregório de Matos nos permite conhecer mais sobre a figura misteriosa e peculiar do poeta, mas também compreender elementos do barroco levados para o âmbito da nossa literatura em sua fase colonial. O Barroco é um período literário que se estendeu aproximadamente do final do século XVI até o final do século XVIII no Brasil, sendo caracterizado por sua complexidade, riqueza estética e expressões contrastantes. Foi um movimento que surgiu durante a colonização, influenciado por ideias europeias, especialmente daquilo que era preconizado enquanto cultura em Portugal. Período marcado por forte religiosidade, conflitos geopolíticos e exploração de riquezas naturais, que impactaram diretamente nas temáticas da produção literária, a poesia do período, como já mencionado anteriormente, é marcada por um estilo exuberante e ornamentado, que explora bastante as possibilidades estéticas e “narrativas” da acerca da dualidade e do contraste. É uma lírica delineada por metáforas elaboradas, jogos de palavras, antíteses e imagens sensoriais, refletindo a complexidade da experiência humana, com escritores que frequentemente trabalharam com a ideia do “eu fragmentado”. Essa expressão da identidade muitas vezes se revela em um diálogo interno e na reflexão sobre a condição humana, a limitação e a busca por transcendência.
Outro ponto considerável é a forte influência do catolicismo, refletida na literatura barroca, com obras que discutem questões existenciais, a relação entre o homem e Deus, bem como a fragilidade da vida. A religiosidade permeia muitas composições, refletindo a preocupação com a salvação e o pecado. Gregório de Matos, nessa coletânea, tem um manancial de poesias religiosas selecionadas e comentadas por José Miguel Wisnik. Repleta de sonetos, poemas líricos e sátiras, a musicalidade e a estrutura formal das poesias revelam tanto a habilidade técnica quanto a profundidade temática dos poetas dessa era, conhecida por ser uma fase de transição entre o medievalismo e o iluminismo. Essa tensão entre razão e sentimento é uma característica vital da literatura barroca, refletindo a luta interna do homem entre o desejo e a moralidade. Ademais, para falar de poesia barroca, se torna relevante compreender também a influência da arte e da arquitetura, pois o Barroco na literatura se conecta com correntes artísticas da época, afinal, a lírica da época se beneficiou da estética barroca, incorporando a grandiosidade, a opulência e a dramatização evidentes nas artes visuais. No geral, caro leitor, o Barroco deixou um legado duradouro na literatura brasileira, influenciando movimentos posteriores, além de colaborar com a formação da identidade cultural do país.
Coletânea de leitura fluída? Talvez. Vai depender do nível do leitor. No entanto, saliento ser essa uma seleção que amplia o seu repertório cultural e vocabular. É um autor a ser “experienciado”.
Poemas de Gregório de Matos (Brasil, 2010)
Autor: Cruz Gregório de Matos (seleção e organização de José Miguel Wisnik
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 359